Editorial extraído da edição de abril de 2025 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos editoriais, clique aqui.
Desde sua fundação, em agosto de 2010, o RelevO nunca se propôs a ser apenas um jornal de literatura ou, pior, um jornal de pares, com uma galeria de ilustrados recorrentes e um pequeno lote para os candidatos a ilustrados. Nosso propósito sempre foi mais ambicioso, ou melhor, em uma direção menos óbvia: sustentar, com independência e vigor, um espaço em que a linguagem possa confrontar, subverter, emocionar e provocar — sem dar sustentação a CPFs conhecidos, currículos repletos de conquistas ou medalhões dispostos a colocar mais um X na imensa lista de lugares em que foram publicados.
O RelevO é um jornal de textos que gosta de outsiders, famigerados, inclassificáveis, amaldiçoados pela sina da prateleira de baixo. Gostamos dos indóceis, dos que não pedem licença para escrever. Gostamos dos que não cabem em editais nem em feiras temáticas. Dos obsessivos, dos desajustados, dos desafinados. Publicamos o que não se encaixa — e é justamente esse desalinho que nos dá forma. Por fim, ainda tentamos praticar algum humor pelo caminho. Na contramão dos tempos vigentes, nos dedicamos à permanência — ao gesto e ao gosto de editar, imprimir, dobrar e enviar literatura pelo correio, mês após mês, como quem aposta na repetição da palavra impressa e na presença do outro.
Nosso jornal é feito de margens: estéticas, geográficas, afetivas. Somos de Curitiba, mas quem nos conhece mais de perto sabe que não frequentamos nenhuma mesa das bandas que mais tocam na região. Gente que nunca havia publicado em impresso recebe um pagamento (módico, de R$ 60) e, a bem da verdade, pouco nos interessa de onde seja quem escreveu. Também não nos interessa tanto de onde somos. Somos, afinal, um jornal de textos para leitores e que orgulhosamente não segue tendências — publicamos apenas aquilo que, de alguma forma, nos comoveu.
[Aliás, passamos os últimos três meses (e contando) lendo novos materiais e dando devolutivas aos escritores. De modo geral, é um processo tranquilo, lento e individualizado, embora um & outro acabe nos homenageando assim, de um jeito mais universal:“Percebo que seu comitê de leitura é assustadoramente limitado. Acho que vocês não entenderam nem meia palavra do significado da minha poesia de renome mundial. Mas cada um tem o direito de decidir como quiser. […] Muito obrigado, vocês são um bando de transexuais brasileiros idiotas que não entendem nada de arte. Dancem no Carnaval do Rio fantasiado de bufões e parem de se preocupar com arte. Seus idiotas!”.
Apesar desse tipo de retorno, digamos, mais emotivo, trata-se de um processo muito produtivo e que nos coloca diante do novo-novíssimo e do velho-velhíssimo. A partir dele, tentamos entender o que, hoje, leva um escritor ou uma escritora a sair dos escombros de uma página em branco e se mostrar ao mundo, a começar pela aldeia dos impressos.]
E quem lê tudo isso que publicamos há quase 200 edições? Quem nos ajuda a sustentar esse espaço rarefeito, improvável e um tanto fadado às melhores caixinhas de pets? É o leitor, a leitora; o curioso; o inquieto; o generoso; quem nos descobriu em uma panificadora de domingo; quem buscou uma edição em uma biblioteca pública. É o leitor que folheia o jornal no café da manhã ou no ponto de ônibus, que guarda um exemplar debaixo do braço, que marca uma frase com lápis e envia um e-mail depois dizendo “essa aqui me acertou em cheio” ou nos marca nas redes. O RelevO é um jornal feito com e para leitores que não querem apenas confirmar o que já sabem, mas topar o risco de serem desorientados por um bom texto. Leitores que sustentam, com suas assinaturas e sua atenção, a possibilidade de um jornal que não lambe vitrines nem serve de escada para o ego de ninguém.
Não temos um “comitê de curadoria” sentado em poltronas suecas, com jalecos conceituais e cenho franzido. Temos um grupo de pessoas cansadas, sim, mas inteiras, lendo tudo com o máximo de atenção possível. E o que torna tudo isso possível, mesmo com orçamento apertado e olheiras persistentes, é saber que há gente do outro lado. Gente que valoriza o texto bem colocado, o humor desgraçado, a imagem improvável. Gente que quer mais do que o óbvio.
E por isso, mais do que nunca, reforçamos: assim como a Receita Federal e a Wikipédia, o RelevO precisa de você. Assine, recomende, presenteie, envie àquele amigo estranho que coleciona selos e sublinha contos tristes. A cada assinatura, renovação ou exemplar enviado de presente, testemunhamos um pacto silencioso, porém profundo. Trata-se de um compromisso que vai além do apoio financeiro: é a afirmação de que ainda existe valor na leitura cuidadosa, na surpresa de uma página inesperada, no pensamento que se forma devagar, ao ritmo do papel. Os assinantes são os verdadeiros patronos dessa iniciativa.
Afinal, temos estrelas direcionando nosso destino ou somos meras peças do Grande Jogo? Talvez um pouco dos dois. Talvez sejamos somente um jornal literário de Curitiba, com orçamento apertado, diagramado madrugada adentro e enviado pelo correio com a esperança de que alguém, em algum lugar, vá folhear e nos dar um pouco de tempo. Mas também gostamos de pensar que temos textos nos guiando — um tipo de constelação que se forma quando um conto, uma crônica ou um ensaio encontra seu leitor, quando um envelope cruzando o país vira um sinal improvável de que a linguagem ainda conecta algo.
E se o destino tem mesmo estrelas, quem segura a luneta somos todos nós: leitores, apoiadores, autores, editores, críticos e entusiastas. Cada assinatura é uma pequena revolução contra a pasteurização cultural. Cada apoio é um lembrete de que ainda há espaço para o singular, o excêntrico, o fora de catálogo. O RelevO não existe sem você. É um projeto coletivo, imperfeito e orgulhosamente artesanal — mas é também um delírio compartilhado que resiste ao tempo, aos cortes e às certezas.
Por isso, deixamos aqui o convite: apoie o RelevO. Se você já é parte disso, renove. Se ainda não é, venha. Junte-se a nós nesse jornal que ousa ser ao mesmo tempo palco e bastidor, confessionário e picadeiro, bússola e tiro no escuro. Porque, no fim das contas, talvez sejamos todos peças do Grande Jogo — mas, juntos, podemos mover a pequena mesa da nossa sala.
Boa leitura a todos.