Rafael Maieiro: Spirogyra é spreadable e/ou ao contrário — E uns xis minúsculos no coração do jornal

Coluna de ombudsman extraída da edição de abril de 2024 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Gravando! Não, corta. Pause. Não. Rola pra cima, digo, siga, à esquerda, com sua íris as linhas deste texto. RelevO anunciou sua rendição (?) à nova mídia social digital.

Toma-lhe, sem gelo, por favor!

“O RelevO é analógico, e o analógico está com tudo. Sobrevivemos à era dos blogs e agora, ironicamente, somos impulsionados pelo TikTok ou o que quer que nossos sobrinhos usam, porque tentar acompanhar é por si só a grande derrota. A questão é… por que parar no papel?”, está dito nos Anúncios do futuro para soluções do passado.

O bem-humorado texto quer dizer: Estamos com tudo nas redes. O impresso fica, mas vamos pra nuvem. Um dos papos mais interessantes sobre o assunto é com o tal do Henry Jenkins:

A propagabilidade [spreadable foi traduzido por propagável, por isso propagabilidade] está expandindo de forma ativa a diversidade cultural em função de uma gama maior de criadores de mídia ter acesso a públicos em potencial e de um número maior de pessoas ter acesso a trabalhos que, do contrário, poderiam estar disponíveis apenas nas principais áreas urbanas [Henry Jenkins com Joshua Green e Sam Ford. Cultura da conexão. São Paulo: Aleph, 2014. p. 289].

Mas não sei, não. Em 2025, me lembra algo que espera outro algo que já se passou há 20, 30 anos atrás. Ah, Sonhos de McLuhan no Verão do Fim da História! Na verdade, este ouvidor que fala demais está cada vez mais convencido de que o dito espaço virtual é um feudo dos naxis. Nesse (pouco) sentido, acho que o formato do jornal também deve involuir e ser publicado em rolo (volumen). Leitor, desenrola! Talvez faça sucesso editorial. Cada treco estranho por aí… Veja o tal do… Ah, deixa pra lá.

xis 9

Falo nada, escrevo do Rio de Janeiro.

xis 1

RelevO dribla e deixa no chão todos que encaram as letrinhas de alguns textos do jornal. Uma injustiça. Principalmente, na edição de março, com o trabalho de Amanda Fievet Marques.

xis menos R$ 594

Com 95% da meta atingida e ainda no prejuízo. Uma maravilha. Por isso, amo escrever neste jornal. Aprenda, progressismo Itaú. Imaginem se o editor fosse herdeirão…

xis desenhado

Amanda Guilherme deu um show em preto e branco. Alô, scouting do Botafogo!

xis no Godot? [cartas]

xis sem salada

Com Fernanda Caleffi Barbetta aprendemos: os cardápios são um gênero literário.

A informação instantânea, fornecida pelos meios de massa, deve ser completada pela informação calcada na análise, mais lenta mas presumidamente mais profunda. De qualquer maneira, todos esses meios, na sociedade capitalista, comercializam essa mercadoria especial que é a informação. São meios que vendem informação: quem controla a informação, controla o poder. [General Nelson Werneck Sodré. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 1999, p. XV].

Rafael Maieiro: Epístola Pueril Sem Número 34 – Zeh Gustavo: “Quando os outros voltaram a si, o narrador tinha descido as escadas” (M. A.)

Coluna de ombudsman extraída da edição de março de 2024 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


“(…) Não vai adiantar nada eles encostarem suas cabeças no chão e pedirem Volte para cá, querida! Vou simplesmente olhar para cima e dizer Então quem sou eu? Primeiro me digam; aí, se eu gostar de ser essa pessoa, eu subo; senão, fico aqui embaixo até ser alguma outra pessoa… Mas, ai, ai” exclamou Alice numa súbita explosão de lágrimas, “queria muito que encostassem a cabeça no chão! Estou tão cansada de ficar sozinha aqui!’” (C., L. Alice. Zahar: 2009)

*

Porra, Zeh!

Está difícil. Qual o maior problema de um ouvidor: não ouvir ou não ser ouvido? Me encontro agora, em frente ao espelho, tateando estas linhas paralelas no celular. Não vou me estender por 34 minutos tentando criar, num velho passe de mágica, re-ReveladO por um youtuber-coach há 34 minutos atrás. Não, Zeh. Não vou, não quero. (Cantarole, deístico leitor).

Voltemos! Podia usar o nobiliárquico título de ombudsman para envenenar, mesmo com uma roupagem modernete, os leitores com uma cansativa leitura critiquíssima do RelevO. Mas aí, né… Que contratassem outro! Já faço o favor de escrever em linhas paralelas e outros formalismos: eu não uso blusa da Farm.

Não, Zeh. Não, não quero. Um jornal literário? Então, vamos lá, tentei fazer da tal da Ouvidoria um espaço da ficção. Narrar, não os fatos em si, mas a vida como ela é na sua lida — ficcionar, leitorzim, é muitas vezes mais realista do que a tentativa malfeita de descrever, detalhadamente, bobagens.

Tá, Zeh, vou. Tô te ouvindo aqui na minha cabeça. Mas por onde, pobre diabo? Merda! O espetáculo acontece a cortina, plateia apática. Fora do teatro alguém diz que não assiste a espetáculos sem banda. No fundão do teatro, quase anônima, uma moça bate uma palma como uma Deusa da Ironia e adia por alguns segundos o Apocalipse. Mas e a vaia? Cadê a vaia, o xingamento, alguma reação do Universo que não seja um xis na plataforma nazista?

Deixamos eles, Zeh?

Aguardo a sua resposta.

Beijo,

O Outro

Ainda: por enquanto, pulem esta coluna. O RelevO, este maço (martelo) de papel, pássaro voando pela rua sombria dos tempos de merda, faz algum sentido. Quem sabe ele não empastela os seus olhos para além das paralelas.

*

Mês que vem voltamos? Aguardem! Provavelmente, não teremos novidades.

*

Aguardando a resposta do Zeh:

Rafael Maieiro: Sem ou com orelhão: Pule para o último parágrafo e descubra para que serve esta seção do RelevO

Coluna de ombudsman extraída da edição de fevereiro de 2024 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Cansamo-nos de tudo, excepto de compreender.
O sentido da frase por vezes é difícil de atingir.

Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa

Uma orelha gigantesca. Você é um coelho cego andando com pressa no meio da Rua Riachuelo, na Lapa — se apoia (ou rodopia) na bengala e usa as orelhas em riste como um braço de chapeleira para manter a cartola no seu devido lugar —, desvia confuso de carros, motos e bicicletas ainda mais atordoadas. Buzinaço, caos, calor. E plaw! Olha lá você adentrando na dita-cuja, malandragem! Na orelha? Na cartola? Tanto faz. Bifurcação: orelha ou cartola? Sai do outro lado, dentro da sua própria…

p de…? São nove letras, amado e idolatrado leitor. Adivinha? Deixa de chatice!

…orelha e está sem ela. Não, calma, ela (elas?) está (estão!) aí. Então, esquece o Dedé, deixa de ser lelé, vem comigo, Zeh, e se liga no papo da presente ouvidoria. Faz algum sentido.

*

— Sabe de uma coisa, meu irmãozinho, não leio um jornal impresso faz uns dez ou vinte anos — disse Diego Barboza, poeta e editor, convidado para comentar o RelevO de janeiro. — Na verdade, dou aqui meu testemunho, sou um leitor assíduo do Universal — conclui o raciocínio sem fazer nenhum tipo de ironia.
Foi logo dizendo antes de me cumprimentar ou qualquer coisa do tipo.

— Fale mais! — finjo não me surpreender e levanto a pelota.

Gosto muito de jornal impresso, continuava Diego, e tem sempre uns meninos da Igreja distribuindo o jornalzinho deles lá na entrada do metrô Maria da Graça. Aí vou, pum, meto o jornal embaixo do braço e sigo meu rumo pro trabalho. Ele puxa a cadeira, pede dois copos, uma cerveja e completa dizendo que é melhor mudar de assunto. O jornal é bonzinho, insistia, bem escrito. Eles lá com a fé deles sabem colocar palavra na frente de palavra, são jeitosos. Um dia desses vou pegar o RelevO e trocar com os meninos, aí veremos o cabrito que vai ser parido. O poeta, já sentado, acende um cigarro e abre o jornal. Fala do gosto de ler no papel e que nesses tempos parecem empedrar a aura de uma tábula. Só estamos no celular, né? Jornal, hoje em dia, precisa de porte? Aliás, é mais fácil você ver um fuzil do que um ser lendo uma jornaleta. Que doideira! E, olha, diz o nosso comentarista do mês, naturalmente, cagar lendo um jornal, na moral, não tem preço! De repente, ele pega um exemplar do Jornal que tinha deixado em cima da mesa, abre o jornal simulando um anjo terreno batendo as asas. Se levanta. Começa a discursar.

Estamos no Ximenes da Riachuelo, restaurante localizado na Lapa:

— Caros leitores, eventualmente presentes neste belo e bem frequentado restaurante, eis o jornal RelevO. Não, não é uma esquete. Estou aqui, de fato, apresentando um jornal de literatura, um impresso. Coisa boa, ficção fina, melhor que o seu maior concorrente no Brasil, o Universal. Conto, poesia, foto, artes plásticas, sem modorra de banqueiro playba, longe, bem longe da arte de cabelo bagunçado e à sombra do poder. Nessa edição, temos uma coletânea de poemas de Kay Sage. Primor! Bilíngue. Olha aqui: “cola de peixe / olhos em casas de vidro / atirando pedras.” Aqui também, na página 13, um desabafo do Sérgio Mallandro. Perdeu essa, Mad. E tem correio do amor um pouquinho pior que de festa junina. E nem me falem de aplicativo hoje, tá? Rodem este jornal por aí e vejam se eu estou mentindo!

Passou para a moça da mesa ao lado, que sorriu. Diego senta na mesa, Sou um ótimo jornaleiro, né?, ele não vai muito com o jeitão do Saramago. Mas, Maieiro, um jornal daquele, sem tirinha, é sacanagem. Tem que ter tirinha, irmãozinho!

Diego Barboza, segundo quase uma dezena de críticos do Rio, o que é uma multidão se tratando de poesia, é o poeta da geração.

*

Jussara Lessa está certa, as letrinhas do jornal dificultam muito a leitura. Principalmente, dos textos em prosa. Na opinião deste ouvidor, o único defeito da diagramação do RelevO.

*

Daniel Zanella, nobilíssimo editor, vou ser demitido?

Essa coluna serve como crítica aberta e sincera ao conteúdo e à forma do RelevO. O tal do ombudsman é um ouvidor, um representante dos leitores, o responsável pela crítica ao jornal dentro do jornal e sem interferência dos donos do jornal. O alvo sempre é a edição anterior. Assumi a tarefa de ser o ombudsman do jornal por um ano, comecei em janeiro. A escolha é fazer um mandato literário: de apresentar o jornal e narrar as impressões de novos leitores. Os escolhidos, em tese, serão escritores, editores ou qualquer coisa (viva, ou quase). Prometi o número de um orelhão – telefone público de rua, dá um Google aí, jovem guarda revolucionária –, mas ainda não consegui um em plenas condições de uso na Cidade Maravilhosa. Por enquanto, me xinguem, com o devido carinho, pelo e-mail contato@jornalrelevo.com. Sugiro ao editor do jornal que incentive a arte de Catarina: envie cola, tinta e canetas. Sem dúvida, Catarina vai compor uma bela colagem. Ah, por favor, mandem os jornais atrasados para o William Saab!

Rio, janeiro, dezenove do um

Sol, muito sol

Rafael Maieiro: PALAVRÕES & DEMONSTRATIVOS: sobre outros assuntos e uma ouvidoria que não ouve conselhos

Coluna de ombudsman extraída da edição de janeiro de 2024 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Saúde: Ladeira do João Homem, 65. Ali, nas encruzas da praça, é só descer a rua por alguns metros e estamos no Bar do Geraldinho. Cadeiras e caixas de cerveja coloridas na calçada (C5 – boom, manuais!). Ali está o Zeh Gustavo, o ex desta coluna, no seu habitat, brincando no copo de cachaça e abrindo um sorriso no rosto. Me aboleto na mesa, o encontro marcado é para falar sobre o RelevO de dezembro.

[Eis o método do mandato desta ouvidoria do jornal: conversar com leitores de alguns estados deste Brasil – em cafés, bares, livrarias ou, quem sabe, no ponto de ônibus. A ideia-chave do espaço, ora ocupado por mim, é narrar os encontros sem nenhum compromisso com os fatos, contudo assinando um pacto com a particularidade do real na poesia e/ou na ficção. Para abrir o caminho, escolhi o ex, o tal do Zeh, para a estreia].

Zeh vira a Salinas, pede a minha cerveja gelada. Quase gargalha sei lá o porquê. Eu digo:

– Viu as ilustrações da Natalia Azevedo? A publicação é em PB, né? Olhe, são muitos olhos – faço um movimento com os dedos insinuando o trocadilho ridículo –, mas ainda não estou maluco: vi a oitava cor do arco-íris.

Zeh me despreza, o que não é incomum, e já fala que me fudeu na última coluna dele, justificando-se como ato de amor. E puxa um Aldir Blanc:

– Na Rua da Tijolo, bloco 5, aquela de esquina…

[Zeh, meu camaradinha, além de personagem e ex, você também é o revisor desta coluna. Qualquer erro aqui é culpa sua, por sinal é um ótimo lema do RelevO, porém não vá me encher o texto de referências bibliográficas e seus TOCs ABNT. Como disse Carolina Bataier, “Todo o resto, sim”].

Fiquei ouvindo o ex acabar a cantoria, ainda afinada, um copo afina a voz, meti logo um porra e perguntei o que ele achou sobre a edição de dezembro.

– Os olhos, os barcos são quase uma bandeira. Sim, muita cor. Não somos dodóis da moleira, ainda, meu chapa. Natalia Azevedo…

Enquanto Zeh fazia seu solilóquio, ele ainda não estava bêbado, mas estava no modo falastrão, um gatinho fazia número pela rua, uma rua de pedras, uma rua de pedestre, no alto do Morro da Conceição. O gato me olhou – será que usar gatos em textos num impresso também chama atenção? –, fez um movimento que, à primeira vista, tomei por uma saudação carinhosa. Mas, quando o bicho repetiu a ação, percebi: ele estava me mandando à merda, me mostrando o famoso dedo. Olho para o ex, ele abre o jornal e me aponta uns versos de Bolívar Escobar. Leio. Faço um sinal de concordância misturando movimentos com os lábios e com a cabeça.

– Bom, né? Também gostei da nova seção, Discursos de ódio. Ali tem caldo, hein, o Antonio Paradisi deu uma boa de uma tapa. Finn plantou a semente do ódio de classe…

Bato palmas. Zeh volta a me ignorar, ele tá meio estranho hoje. Ergo o jornal tapando o meu campo de visão para além do jornal. O ex faz o mesmo. A cena tem algo de Magritte, ou, mais precisamente, uma versão impressa do ensimesmamento virtual. Janelas de papel e tinta; janelas de silício e petróleo. Quando partimos a fatia do tempo e baixamos as nossas armas, não estamos transtornados:

– Porra, Zeh, tô vendo aqui no Editorial. Eles estão saindo do preju. Acho que contrataram o ombudsman errado. Agora eles vão pro buraco! Literariamente falando, posso dizer, sou pior que uma pandemia.

Gargalhamos.

Aliás, leitores, ombudsman, em sueco, é ouvidor. Já que se trata de um impresso, tecnologia superada até para embrulhar peixes, a minha ouvidoria vai oferecer o número de um orelhão (telefone público, jovens, depois eu explico) para contato a partir do mês de fevereiro.

Aí, palavreiros rústicos ou eruditos, vocês poderão me xingar à vontade: isto, isso, aquilo.

Zeh Gustavo: SOL DOS TRÓPICOS PRODUZINDO UM HOMEM PLÁSTICO: notas sobre a malversação do silêncio público e de como um alívio pode ser falso, dependendo do encosto

Coluna de ombudsman extraída da edição de dezembro de 2024 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Silêncio…
O sambista está dormindo
Ele foi, mas foi sorrindo…

Geraldo Filme, “Silêncio no Bixiga”

Confesso: é armação para te pegar, mais uma vez! Tudo urdido e aloprado para terminar como não começou: título longo (comum à minha poesia de 23 leitores), ecos de falsete acadêmico (comuns ao nosso pícaro jornal), plágio de versejo da edição anterior (comum às demais colunas, mas ausente da inaugural – a que belo dum fdp sem originalidade o Conselho Editorial não negou o mandato!). Não se preocupe: não vai ficar tudo bem, ou até pode, mas esta porta se fechará (entreaberta), automecanicamente (afinal, trata-se de um impresso!), ao toque de algo próximo dos 2 minutos. Tum, tum, tum…

*

Dizem que a saideira nunca termina. Ainda que acabe. É o que espera todo cantador e verseiro. Anormalmente, em vão.

*

Com o “Sol sempre sobre a cabeça” escorrem os versos solturnos do tropical Daniel Anchieta Guimarães Lobo Pinheiro (quase dou cabo da cota de caracteres!), a nos dar a deixa, como a Enclave ao defenestrar o atual regime de abuso de telas: nem tudo que reluz é ouro. Esse é o ditado mais certo – até o próximo.

*

Grita a Enclave (eu odeio CAIXA-ALTA , alô Desclassificados de janeiro): DIMINUAM O MALDITO BARULHO. Detalhe: sem exclamação! Como as telas “secam os olhos”, o barulho nos poda o alcance da voz.

*

Nada está tão ruim que não possa piorar, mas pense pelo lado positivo como a Maria Rosa dos Extremos (eu que sempre considerei o RelevO como um auto da desajuda, viadamente mor-ri!, ao ler o texto dela): melhor manter o inimigo por perto. Apresentamos nosso sucessor em ombudsmância: Rafael Maieiro é botafoguense (eles apareceram!), escritor e, nas horas nem vagas, repórter das revoluções em reforma, com o perdão do tantão de erres (e erros). Bardo do caos bem editado, poeta profundo (sei lá o que isso quer dizer!), não o convide para beber: você sempre vai gastar uma baba e seu próximo sol não restará garantido.

*

Em tempo, na falta dele: não que não existam sóis gelados, mas cá atacamos pelo flanco do lugar-comum com que arvoram sua imagem de inexpugnável lugar do recomeço radiante. Brilhando num imenso cenário, o sol também pode te enganar – mais uma vez! Sobretudo se você viajar naquela vibe de “quem depressa quis a superfície / tanto quanto o oceano fundo”; e deitou nas ondas sem discernir qual delas agarrar pelo rabo para ir à terra; e viu se perder “o mar nas mãos à deriva”, como nos diz Fernanda Nali de Aquino.

*

Como o RelevO e a simpática Bladnoch (Zanella e eu estamos empenhados em ganhar um presentinho de Natal da miúda e tradicional fábrica escocesa de whisky!), Maieiro é daqueles empenhados em formular “uma resposta às engrenagens de um sistema que nem sempre reconhece o valor do peculiar e do pessoal, transformando tudo em opacidade linear”, como bem decantou o último Editorial.

*

No sufoco, apelar à cadeira velha da guerra pode dar aquele alívio imediato, mas a coluna há de pagar alto preço, depois. Juro, não é etarismo: é tecnologia. Quando é mau o encosto, pior o desgosto! – é nóis, mano, na lida de legar às próximas gerações os nossos próprios ditados.

*

Autocitação para disfarçar a ausência da requerida erudição para ocupar o espaço? Diga lá na edição que vem como o sol a tumultuar quem virou a lua na noite, ombudsmano Maieiro! Que fazer?! Nesta hora fatal, e na teima inconstante daquele negar-se a ser mera poeira, relembro mesmo é verso (im)próprio, como mais um desdito de pessoinha tão amorosa quanto à-toa: “Eu não aceito me despedir”.

Zeh Gustavo: NO BEIJO DE UMA ASSOMBRAÇÃO: a nebulosa encruza da finitude com a dobra-sobra do eterno

Coluna de ombudsman extraída da edição de novembro de 2024 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


“Permita, amor, que eu viaje às suas mãos…” — Hart Crane dá o tom inefável do último RelevO. Não intentaria um impresso, ou um livro, ou um coração partido, empreender senão uma mesma e repetidamente inédita, e necessária, viagem de afirmação da vontade de alcançar o belo, o que nos deveria governar e do qual deixamos, sorrateiros desistentes, de falar? Ou há perdida essa capacidade demasiado humana de entrever, no precário instantâneo do existir corrente, aquilo que sugere permanência, assim como jazem, perdidos no tempo do Onça (um detestável governador do Rio Império, nos 1700!), os luares amplos que a cidade engoliu com seus faróis ceguetas?

*

A diferença da viagem de fruição do jornal impresso para a do amor é que, embora absolutamente datados, diria, em tese, ultrapassados pelos atropelos do tempo da afetividade não afetável, o primeiro ainda se deixa pegar pela mão pouco antes de servir ao pipi do pet, enquanto, do outro, mal se nota o indisfarçável aceno de um adeus, rumo ao Bumble ou mesmo à adesão intelectualoide a alguma bobagem da vez.

*

Ambientação, a sacada do Enclave para elucubrar sobre por que certos filmes nos pegam e outros não, diz também de por que tomamos tanto remedinho e nos sentimos tão sós, neste hodierno. Ambientar(-se) dá uma obra danada. E que merda! — exige reconhecimento do outro como complexo enérgico de tipo vário ao seu. O outro é nosso negativo fundamental, por excelência, para que haja nós.

*

Anda faltoso, para com a gente, o tal de eterno. Ou nós para com ele, dá na mesma. Ainda que se trate, em tom viniciano, de um eterno enquanto dure.

*

No Apocalipse Imbecil de Toninho Pirassununga e Robert Esponja, “filmes supostamente adultos para histórias supostamente infantis vieram para ficar”. Se esse roteiro também é seu, se apresse para buscar seus royalties! Pois, do influencer de comida de rua ao turista profissional, a idiotia disfarçada de erudição é o melhor cobertor para a falta de assunto e propósito na vida. Logo, a concorrência é grande, pense bem.

*

Não se tocam trombetas, nem mesmo musiquinha de celular, na beira da hora que fica. O tempo passa, o tempo voa — sobretudo pra você que ainda lembra dessa peça publicitária.

*

Canta Silvio Rodriguez, em dada canção-pintura (Óleo de una mujer con sombrero), que vislumbramos uma luz que vacila e que promete nos deixar às escuras, se é perdida esta bela loucura — a nossa forma de amar. Na encruza de qual ela seja, essa forma, tomamos decisões. Devemos topar determinado trabalho ou viagem? Ir ou permanecer, donde estamos? E ao lado de quem? Na nossa balança de juízos, fechamos com o opressor gentil, em sua empáfia histórica ao comprar os direitos de nossa alma; ou com o suprimido que, mesmo sangrante, nos oferece — e também dá, de bandeja — sua não ociosa mão calejada?

*

Ao contrário de mim — ou a favor, dependendo do ângulo — e talvez das evidên$ias, o Editorial nos afirmou haver, em curso, uma revolução silenciosa do impresso — e, por extensão poético-licenciosa minha, das velhas boas coisas imprestáveis, que jamais deveríamos deixar de cultuar.

*

Sobre a citada luz — mesmo que vacile, ela está lá. Ou seja, aí. E ainda Crane: “Luz se atracando sem descanso, lá, com luz, / Estrelas se beijando, onda a onda, até / O embalo do seu corpo!”.

*

A eternidade, ela pode nos escapar entre os dedos, sem meu pé me dói, como diziam os antigos; e sem sequer mais que um lastro no mar, se é perdida a cara forma do verbo — intransitivo, como nos ensinou Mario de Andrade — que nos é mais precioso.

*

Pode até parecer chato, mas olhe melhor: a razão do eterno é bem sexy!

Zeh Gustavo: ANGÚSTIA, BOSTALGIA, INFETAÇÃO: tudo, mas não necessariamente nesta (des)ordem!

Coluna de ombudsman extraída da edição de outubro de 2024 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


eu também tomo café
em uma sala em chamas
só que não é café
é rum eu espero

Matheus Hotz

I
desde as cartas
é que se instaura uma certa primazia
do sistema digestório
na quase ainda possível
comunicação:
abdômen-ritornelo
a gerar um chiado
& pá
& poom
& pés
& zooms!

II
de uma bet
que dela não se reporte
o seu vício fundador
mas a elegância
do patrocínio negado
que subjaz no exercício
de uma das parcas soberanias
que elegemos para levar
as horas
no comércio hodierno
em que nos enfiaram
até a bacia das almas
(inclusos os corpos)

III
uma boa revolução
se faz é com menos quinhentão
na conta
e um sorriso na cabeça

no bolso
uma bússola
desregrada
& um mapa
de alcançar
corações danados
como os nossos

IV
nos dias seguintes
aos tantos poemas relegados
à indiferença presidenta
do conselho do mundo
regido por big techs
é que o ombudsman
rasga o jornal
em rebeldia cega
ele
vocês sabem
adora fazer merda
porque contínuo

contínuo do baixio do palavreado
e de solfejadas sofrências de amor
(contínuo! – gritaria
o pai-empresário escroque
da Bonitinha mas ordinária
aquele que não é solidário
nem no câncer!)

V
um
bando
de
bunda-suja

nunca
seremos
um

rolo

um

rolo

nem
mesmo
de
um
reles
papel
higiênico

VI
parede
ou porta:
qualquer sólido
será esquecido
ao vento
que o levará
ao mar poluído
antes que o que seja
mera performance
possa se tornar
até mesmo
um aviso sequer
de permanência

desde já
esteja proibido
algo que seja
do terreno
da passagem
porventura
se fixar

VII
a pergunta
aos mortos
precisa ser
dirigida
– e digerida –
pelos vivos

porque os mortos
eles não têm
necessidade
de pergunta
não porque já saibam
toda resposta
mas porque já sabem
toda ausência

VIII
o neomoralismo pimpão
é transfronteiriço:
propagandeia
suas bandeirolas
com superioridade
voraz

o neomoralismo pimpão
é chato pra cacete
como a palavra
transfronteiriço
e ai de quem zombeteie
de sua falso-desleixada
mania de nobreza

o neomoralismo pimpão
contém tantas
amarras
quanto a propaganda
de um carro
de um sabão em pó
ou do amor livre
na boca de professor
universitário
em busca de likes
pro lattes

o neomoralismo pimpão
confunde geral
se espalha como brasa
(brasa líquida, claro)
a flertar com o
uso e descarte
de tudo

o neomoralismo pimpão
é o estado da arte
oculto
de quem beija a mão
do opressor
e senta a pua
no suprimido

o neomoralismo pimpão
odeia o que chama de
samba de raiz
amor romântico
escrita elitista
letra difícil
filosofia de botequim
o que pense
política & estética & existência
o que sinta
demais & intenso & visceral

ou seja
o neomoralismo pimpão
odeia toda utopia
que nos possa levar
adiante
sem esse gosto
de rivotril
na boca

IX
para dar bug é preciso
operar o sistema
desde os seus ossos

para dar bug é preciso
jogar não só uma cadeira
mas alguma alma
e em alguém
que tanto a mereça
que viciou em descrer
nessa oferta de tanto

para dar bug é preciso
se jogar na alma arremessada
reconhecer nela
não o alvo
mas o destino
e puxá-la
para dentro
de si

Zeh Gustavo: FAÇA AMOR! FAÇA ARTE! E pode fazer suas merdas também!

Coluna de ombudsman extraída da edição de setembro de 2024 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Calma lá, não baixei de coach, ainda sou alguém. E este título se inspira noutro, do Fausto Wolff, de crônica de junho de 1981, n’O Pasquim: “Você não é um merda!”. Nela, Fausto ataca o “complô maquinado (…) para que vocês esqueçam o fim que dá significado à existência de vocês. Um plano para transformá-los em mortos-vivos, sem vontade própria (…).” Em outro momento, incita o leitor a entender que pensava; que sentia; que, afinal, vivia – não era um telefone! E Fausto escreve numa era pré-smartphone…

*

“O silêncio é uma ética.” Anda difícil o ombudsman não citar nossos Editoriais. “As nossas vidas são permeadas por um constante fluxo [tagarela, como o define Adauto Novaes] de informações, notificações e alertas que competem por nossa atenção, fragmentando nosso foco e nos empurrando para hábitos de hamster.”

A tecnologia atual é contrarrevolucionária, reativo-positiva, no sentido de que cria mais e melhor de um mesmo que nos joga para trás. Somos instados a nos superarmos em troca de uma espécie de pseudoeus (inter/super)ativos que nos ocupam o tempo inteiro, sem pausa para o silêncio premente à produção real de sentimento e reflexão.

*

Mas não renunciaremos de todo a nós, certo? As “Nuvens não querem se separar das montanhas. / Vivem assim: em luta eterna para conciliar seus desejos.” O Hino à sedução do tudo, de Adonis, é dos vários pontos altos da última edição. Outro verso, de “Divisórias”: “Você, coisa incompleta, / inicia a perfeição.”

*

Trauma da contemporaneidade: o consenso em torno de uma autovivência condicionada, extenuante, fármaco-dopada, individualoide e precarizada.

*

Outro: o neomoralismo. Camaradagem, toda bundinha já esteve e estará um dia suja. Não se rebaixe à canalhice do lugar-comum de frases como “Não passo pano para…”, porque você passa sim, geral passa pano, toda hora, porque se não passar não tem vida em sociedade. Vivemos de passar pano. A novidade é a escalada preocupante do cancelamento, fantasma onipresente, que habita o mundo do juízo deserto de qualquer razoabilidade, que não dá a menor pelota ao contraditório e ao perdão do erro, que visa a punir sem prazo e muitas vezes nem lei.

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Que duo formoso a obra plástica de Oli Maia, em que a gente nota cores mosaiculosas num singelo preto e branco; com o “Costume” de Anderson Almeida Nogueira, p. 22-23 (volta lá no mês passado para seguirmos juntos adiante). E aí a gente vira a página e tá lá estampada a letra de um genuíno samba ensinado por Zé Keti e Elton Medeiros: aquilo que “Não fala, meus amigos, de ninguém / Simplificando a história / Não fala de mim também”. RelevO, definitivamente, não é qualquer parede.

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Isto, obviamente: tal de defender a profundidade, prioridade, preciosidade que é existir, não se trata de o indivíduo se pôr a babar asneira academicuzona ou namastê-afetiva na internet, recomendando (aff!) leveza no relacionamento (ficou demodê falar no seu correlato mais fodão, que seria amor, como trocam fácil arte por diversão numa programação dita cultural) e outras bobageiras graciosas.

Sabe o que é leve? Merda. Sempre boia, no mar. Em suma: faça das suas, mas corra de sê-las.

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No meu último escrito que talvez tu leias, (re)luto ante teu medo e incidente confusão; ainda e sempre, nos insisto. E, já que urge a vida, que é esta, como a temos e não como gostáramos numa visada de novela ou partida tensa de fuga de rebaixamento boleiro, te grito: mergulha! Que oceano é coisa nossa de não perder de vista, para além. Mergulha logo. Que, no início, a gente bate perna; uma hora até aprende a nadar.

Zeh Gustavo: DE COMO OUTRAR É PRECISO e a máquina de triturar autores (e seus livrinhos)

Coluna de ombudsman extraída da edição de agosto de 2024 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Naturalizou-se a disgrama: a literatura-literatura (alô, Odvan! abraço, Luxa!) depender de autores venderem seus livrinhos aos amigos e parentela; livrinhos esses fabricados por editoras cujos clientes são os próprios autores, por sinal vistos como menos que clientes, algo como uma gente chata, que não entende o processo.

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Vivemos do descontão de 30% de que falei de passagem na última coluna, concedido para comprarmos e doarmos ou revendermos, de mão em mão, nossas próprias obras. Não se fala mais em remuneração dos autores. Não se fala mais em distribuição. E faz é tempo! O livro (não) é vendido no site da editora. Não há estratégia de lançamento, cuja organização igualmente recai nos ombros dos autores. Aí vem as feiras — para as quais você se desloca com os seus próprios recursos, se delas a editora participa. Carece sim dizer: não está bom, não está justo.

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Não, não meti atestado. E sei o que li no jornal passado. Por exemplo, a espécie de autoalta que Diana Joucovski se deu para contar que “alguns já nascem como a noite: demasiados, indomáveis, criaturas horrendas passionais, tão humanas que beiram à desumanidade”. Laura Redfern Navarro, por sua vez, nos apresentou ao termo aotubiografia: escrita do si no tu. Com todo o respeito, é claro!

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F. Da Costa ilustrou com traço peculiar e manchadiço uma edição de diagramação redondíssima. Nem sempre atentamos à forma, adictos que ficamos em conteúdo. Largados na ilha, desprezamos o continente, inscrevemos em nossa fala diária que queremos ir ao mar, seja como for: “mas nada dos rudimentos / passa em branco”, nem mesmo aquela “faísca alada / que saltita pela casa/ inundada de noite / e anseios quebrados”, como verseja Nadja Rodrigues.

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Há que notarmos, ainda, a inquietação com que o RelevO aborda o tempo. Não, não é sacanagem: filosofia, que chama! Em pleno e pelo impresso.

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Enshittification e gamificação são duas fases do mesmo jogo de tornar as experiências da vida em unidades de um negócio pulsional absolutamente descartável.

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Nós escribas aceitarmos de boníssima pagar pelo nosso trabalho deve-se à premência um tanto egoica mas também altruísta ou missionária que temos de continuar a produzir e lançar nossas coisas, fato. Contudo, o silenciamento a respeito das más condições em que isso se efetiva remete a uma autoimagem rebaixada a ponto de fazer corar o vira-latas complexado do Nelsão; e/ou à condição de pertença, de tantos, a uma classe mais remediada, outro fato. Mas, olho no lance (saudade, Silvio Luiz!): se sucumbimos diante das contingências como se elas fossem inescapáveis (coitada da editora, ela é pequena!), quem achamos que vamos enganar com isso, além dos nossos mais chegados, que já devem estar de saco cheio de, sozinhos, nos prestigiarem?

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O eu é o centro e o alvo do descarte vital consentido. Outrar é preciso. Até para obrar.

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Fechando o reclame do ombudsman: causam-me, até hoje, absoluta perplexidade o surgimento e a longevidade de (bons) prêmios que requerem a concorrência exclusiva de autores inéditos. Que raios de fetiche é esse de renovar o cabedal de futuros trabalhadores precários do meio (fodidos privilegiados, como dizia o saudoso Abujamra!) lhes dando uma oportunidade que não vai se repetir logo adiante?

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A gente brinca porque ainda está num certo (falso) controle. Porém, os mad menx estão aí, na raça!, nos pedindo um soco na cara que nunca lhes damos. “O que você afinal faz no seu trampo? Ah, meu, eu sou um criativo!”. Não se engane: eles parecem fofos, mas merecem uma morte lenta e cruel.

Zeh Gustavo: ESTÃO MATANDO TUDO SEMPRE mas a gente só morre amanhã

Coluna de ombudsman extraída da edição de julho de 2024 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Ao menos, em tese. E calma lá: informo que não sou doutorando em nada! De certo, certo, só temos que Não é dinheiro não! é o novo Me dá um trocado? e que empreender virou verbo intransitivo.

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Mas estão matando mesmo. O projeto é de precarização da existência: tornar o ser numa atividade inusual, ou prescindível, ou capenga; algo qual uma disparatada (dis)função cujo ímpeto, horizonte enquanto (meu revisor interior saiu pra comprar cigarro!) ação se pudesse superar, sem prejuízos, pelo consumir produtos, processar dados, lacrar na rede.

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Querem me sacanear? Façam por onde! E capricharam os autores de junho do Jornal — em que passo vergonha, mas mando aquele SOS diante do fim da arte, da revolução e do amor como utopias-guias pra gente aguentar o tranco. Com a palavra, o ex-supervisor de inteligência estratégica do excelente conto de Saul Neto, que abre o último RelevO: entregaram!

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Da provinha da aquarela de traços épica de Era uma vez no Contestado, romance-quadrinho-milonga do André Caliman, recém-lançado, à mochila carregada das falhas que negamos e que Catulo nos acusa termos sempre às costas; da gargalhável colagem do Informe Publicitário ao inspirado Editorial sobre a saga do impresso (“A nossa inadequação, quem sabe, seja a nossa fortaleza”); no poemário com, entre outros, Douglas Batalha — obrigado pelo verso com que abrimos este ombudsdito! — e Bruna Gonçalves (o Algoritmo é a unidade de afeto do desamor-livre): estupenda, a edição!

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Eu só nunca entendi o David Bowie, tampouco intento fazê-lo, e falo (não) só pra garantir os xingos da rodada. Juro!

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Ainda Saul Neto: se tenho um vício, é o de não dar muita pelota para texto literário de cuja leitura não se guarde mísero trecho, expressão, diálogo nas ideia (o revisor ainda não voltou!). Dramaturgo fascinado por Dostô, Nelsão Rodrigues foi o que foi por ser também um baita frasista. N’O teatro dos loucos, ele tasca que “A ficção, para ser purificadora, precisa ser atroz.” Para tanto, lidamos com coisas como “um ódio bem guardado dentro dos ossos capaz de desejar a aniquilação ou apenas o sumiço sumário” de desgraçados que “gostam de mostrar o pequeno poder que exercem sobre os outros os fazendo esperar”. Bravo, Saul (#somostodos sobreviventes do estilo)! Depois me manda seu livro, camará!

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A roda gira, gira a roda. Não é clichê, mesmo o sendo — é mantra para quem topa os segredos das matas invisíveis que nos rodeiam, do mar em que pouco(s) mergulhamos disponíveis a ouvir seus silêncios, do rio que passou em nossas vidas e o coração se deixou levar. Laiá, Paulinho: quantas vezes isso tanto nos doerá pelo caminho?

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Elogiar, elogiei. Mas bora de errata? No afã de cobrir o efervescente mercado de transferência de síndicos, a editoria marcou passo em relação ao próprio nome da lei-sonrisal que, economistas projetam, vai fazer o PIBão do papi Haddad subir uns 2 cm, ops, 2%. A lei é conhecida, afinal, como Novo Marco Síndico (o que já rendeu, por troca do lugar em que se bota o acento, com todo o respeito, é claro, piadinhas infames no colo da rampeira Jana). Síndico, e não sindical. Belezinha?

Obs.: o termo sindical remete a uma antiga tradição de reunir trabalhador (algo parecido com o atual colaborador) para reivindicar direitos, quase que suplantada pelas boas práticas inauguradas com o Plano para o Futuro do Pretérito do ex-golpista e agora vampiro, não necessariamente nessa ordem, Michel Fora Temer (mal aí pela lembrança!).

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Sempre volta a metáfora do zelador de Dias perfeitos: continuemos, a cada banheiro, lutando para que não aconteça, por irrazoável escrutínio ou inércia destrutiva, de depositá-la — a tal de vida — numa latrina.

Zeh Gustavo: DA ANESTÉSICA INDIFERENÇA DE UMA LONGA AGONIA

Coluna de ombudsman extraída da edição de junho de 2024 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


O trânsito infecundo das horas e anos, as tragédias em série da (in)consequência do Antropoceno, a troglodice da extrema direita ultraliberal não ajudaram para uma mudança abrupta de visada, em que pese seguirmos fazendo nossas coisas e comprando nossos próprios livros (os que insistimos em escrever) com um descontão de 30%. Pois então: sabe aquela candura de poeta de sarau, olhos brilhosos, gestos expansivos? A coisa do “Porque a puesia (complete com o que quiser de bonitinho aí)…”? Pois é, nunca me convenceu! Sempre achei que, dentro ou fora daquela, desta bolha estávamos – e estamos – é muito fodidos.

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Não há muito o que comentar. Na boa: maio/2024 foi a pior edição do RelevO que já li. E não culpo o Conselho Editorial pelo meu drama pois curadoria trata-se de mera cambonagem: quem incorpora a literatura na nossa tendinha impressa é quem a escreve. Confere, produção?! Ou tava todo mundo mesmo de sacanagem e sobrou pra mim o bagaço da laranja?

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Ou devo eu tergiversar acerca do respeito que Cícero afirmou terem os juízes – os juízes! – pela voz dos poetas (!)? Rimbaud: após tanta humilhação, restaria alguma dignidade? Noutro vértice: Vitor Miranda de fato deixou – ou deixaria – de ser um canalha? Ou foi visto estacionando no Leblon com o Caetano? Henrique Pitt: tal de maturidade literária é de cumê? Ou é biricutico? Me conta: fica bom com o quê? No mais: siameses separados, mula-mulher sem cabeça que deu pro padre, cartas nunca enviadas a Deus (faltou o CEP?), o cosmobol da Serra Talhada, uma ode ao tomate na fruteira (!) e outra à apoptose (!!!), em dois poemas empolados…
Sono. Muito sono.

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A pior edição. Mas, e daí?

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Eis que a literatura se encontra enfiada em uma longa agonia, que se acelera. Porque a literatura não importa. Romances-vivências, contos com participação dos leitores no Kindle (engajem ou morram, seus fidumaputa!), poemas do tipo olha-o-que-andei-lendo-pro-meu-doutorado ou faço-valer-minha-identidade-oprimida o comprovam. Não importa a literatura se você praticou inclusão. Não importa a literatura se você não praticou inclusão. A literatura – como texto de ultrapassamento da linguagem, rasura-testemunho de uma época, jogo de luzes no breu dos debates comuns, fossa da linguagem em fissura –, a literatura, como tal, não mais importa.

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É essencialmente estético. E o estético é político. E define nossa existência perante o outro, no mundo. A vida precisa ser bela. E o belo, nesse caso, não é um ornamento, mas um princípio – alguma tentativa, forma ansiada do ser que verse sobre o único e plural, o singular e vário. Ao mesmíssimo (contra)tempo. Ainda que entre notificações do celular.

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Exceção única (o fumo que se fume: que nunca mais se use Campos de Carvalho de muleta!): a cobertura (isto aqui permanece um jornal!) que o Enclave deu ao filme Dias perfeitos. Com este vaticínio: “a beleza se encontra em dois opostos complementares: (1) a repetição consciente e (2) a quebra inesperada (…). Abraçar o primeiro ajuda a saborear o segundo.”

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A indiferença geral machuca, claro. Mas dói mais a indiferença manifesta em apatia e obra insossa, alheia tanto à consciência de se empreender uma repetição quanto à premência do se buscar o inesperado. Até quem normalmente já seria medíocre pode mais.

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Na textura dos silêncios, a gente apanha da reflexão, que é ulterior ao sentimento. Nasce, assim, o insight. Ao termo em inglês, a preferência da firma é por estalo. (Haverá tentativas de indefinição semântica desse termo, em breve ou nunca, neste periódico.) Depois disso, dá um trabalho danado, ainda.

Zeh Gustavo: O ALIMENTO do zelador sensível

Coluna de ombudsman extraída da edição de maio de 2024 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Acontece, já dizia Cartola [1], sem que a gente deva prescindir do conselho. Você está ali, distraídis… (Mussum é desinência neutra de raiz! [2]). E dá de cara com algo – aquele algo, que pode ser uma pessoa, uma coisa; uma paixão, um assaltante; um arco-íris, um tsunami. Chamam de destino, mas a gente podia aprender, um dia, a tratar a poesia pelo nome.

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Acontecimento é um achado que não se procura, logo adiante; tampouco num retrovisor, quer irradiado de ternura ou de indignação. O acontecimento é uma situação. Certo movimento tomou tino das duas noções e tratou o mundo a fim de reivindicá-lo outro: o situacionismo. Um de seus maiores expoentes, Guy Debord, sacou da tese da sociedade do espetáculo para destrinchar as manhas do fetiche da mercadoria, em sua associação com o estabelecimento da imagem visual como linguagem soberana de nosso tempo – isso na década de 1960! Direto ao ponto: a imagem visual sequestrou o instante – junto com o prazer do presente – e não pediu resgate. Até hoje.

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Ah, Jaine Oster: “Assim como o fim do mundo, a epifania, essa palavra tão gasta, não vem de uma explosão, mas de um lamúrio – ou mesmo um bocejo.” Lamúrio é o que mais vocês têm de mim – dou o meu melhor, não? E aceito, em troca, um bocejo. Boom!

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Desafio do mês: descubra a frase lapidar do editorial de abril e, com seu talento, a transforme em sabedoria de para-choque de caminhão. Dica: se você trocar o sujeito dessa frase por O samba ou A literatura ou A arte, juro que vai dar, o sentido, quase no mesmo.

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Arte é o banheiro invisível cujo zelador, tal de artista – também conhecido, no baixio, por alcunhas como Se Fosse Bom Estaria na Globo, Um Dia Ainda Vão Te Descobrir e Vagabundo da Rouanet –, limpa os dejetos de uma sociedade prisioneira de sua pouca afeição ao que de fato importa. E, no geral, ninguém lhe agradece por isso. Ah, a pandemia… Responderia o Pedro Pedreira, inesquecível personagem do ator e último vereador eleito pelo Partidão no Rio, Francisco Milani: “Não me venha com chorumelas!”.

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Bobos de criação (ainda Jaine!) não merecem sacos de pipoca. Merecem ser posto para fora do cinema (ou do parquinho). Pega a lógica, pelo rabo: Glauber Braga chutou foi pouco!

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Enclave: vivemos imersos num, em meio à deprimência dos anúncios, à bestial virtualização e empobrecimento das experiências e ao surto de autodestruição financista. Apesar disso, e em vão, e não, (ainda) escrevemos.

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Ah, Anne Carson: “Nosso amor, esse incendiário meio doido, / corre uma vez ao redor da sala / chicoteando tudo / e se esconde de novo.”

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Instante é o fundamento do nosso devir transeunte; sopro de vida, sob ruídos de um antes, em rota de alguma ainda possível (re)inauguração.

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Ah, Maiakóvski: “Eu fico sozinho, como o último olho / de quem vai embora com uma pessoa cega!”.

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Por outro, e mais um; o primeiro, o próximo, o último. A gente ainda o sente por perto, como que entrevisto na noite esconderijo a que se refere Menalton Braff. O instante insiste. E acontece.


  • [1] “Acontece” foi a música predileta do vate da Estação Primeira, para quem ninhos de amor no vazio consistiam em tema assaz angustiante. O Angenor era um baita dum zelador sensível das dores que perpassam todas as eras e esferas.
  • [2] Já subjaz evidente que lacrar exige uma seriedade, uma soberba, um ar suposto sóbrio, akademicuzinho ou zão, né? Então, pra que citar o Antônio Carlos, que ainda por cima era preto (não militante), músico e palhaço?! Por que aderir a um modo humano-humorado de lidar com traumas, dívidas, transvisões do passado? Madame Treta não gosta que ninguém sambe.

Zeh Gustavo: ESCREVER: o diabo que mora no detalhe!

Coluna de ombudsman extraída da edição de março de 2024 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Enfim um tema sério e que importa aos leitores? Absolutamente! A culpa é da ressaca, daquela melancolia que supõe assumir, e diante da tela em branco (porque o teto está preto?), e diante de ti, e nas tintas deste impresso, que o ano, inadiavelmente mais, começou. Arre, que não dá mais para tapar o sol da realidade com a peneira de um cavalo-branco sorvido todo, a gente de palhaço numa terça fevereira.

O mote: as Cartadas literárias da edição que passou. Como poderia me ser indiferente tal apelo: “Quer prêmio, medalha, reconhecimento, amor? Escrever é só um detalhe”.

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Acrescentei o diabo ao detalhe. Porque, para gente da minha laia — que lê o Zé Kéti para ouvir a Hilda Hilst, que tem no Abraçado ao meu rancor do João Antônio um título-lema de vida, que sente nas prosas da Tânia Faillace e da Márcia Denser os ecos da forma narrativa que irrompe o instante para chamar o tempo pra briga (ou pra cama), que crê na poesia atual, qual a do Edimilson de Almeida Pereira, como uma tremenda força-motriz de interpretação do contemporâneo —, risco é regra, o que é torpe serve de guia, erro é caminho. Escrever nos suplica, quando não impõe arbitrariamente, aquele incerto pacto imaginário e cabreiro celebrado entre vísceras e neurônios, epifanias e aflições, belezuras e demoninhos interiores.

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O voo imprescinde do rasto de falha, sangue, fluido, lágrima. Quem procura relacionamento leve com a escrita — e com a própria existência — deveria virar coach, não autor(a) de literatura. Não é fofo fazer arte. Tem momentos em que essa fixação que certa feita nos baixou beira, inclusive, o autoflagelo.

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Para não dizerem que não falei de autoficção: esse termo o cunhou Serge Doubrovsky e ele tinha originalmente muito pouco a ver com o que a linha editorial do RelevO tenta evitar ao convocar sua chamada para novos textos. Para o amigo Doubrô, autoficção intersecciona memória e rasura de linguagem, em uma espécie de bioescritura em que a vida é também compreendida como artefato, constructo estético-político, à la Foucault.

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O poema de duas páginas de Carvalho Junior encorpa de boniteza o último jornal, boniteza que não contradiz, de jeito maneira, o que antes expus sobre o fazer arte. Há outros e muitos modos de escrever — cada um se pendura no que pode, já insinuava o xô-xuá do mestre Riachão da Bahia. De ombudsmada do mês fica que O homem-tijubina demonstra, como destacado já fora pela Amanda Vital, que o RelevO pode mais em termos de generosidade de espaço para a poesia.

Ó que bela rasteira: “o homem-tijubina tem um paladar exigente. não digere o ovo do óbvio. somente silêncios de pássaros lhe passam pelos gorgomilos. (…) quando o indagam a respeito desta passagem, diz que o outro lado da vida está no verso.”

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Pode parecer, mas não tenho “o coração envolto em fuligem” — com baita texto, baitas imagens, André Miranda nos apupa em seu “Urraca”, em que pese não ter alcançado de onde vem afinal o bendito nome da personagem (será ainda a ressaca?).

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Estou em campanha: use, sempre que for publicar seus textos, divulgar livros na redessoci, a hashtag #algoritmofdp. É cair atirando, afundar com a orquestra a tocar afinada, morrer segurando o copo.

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E, se eu falei muita besteira, se o Marlon Brando não é páreo pro seu charme, se você não vai mesmo com as minhas fuças, se a Vai-Vai ofendeu a entidade Tiozão do Pavê que você carrega até no Carnaval quando põe um maiozinho, se você ama MAIÚSCULAS ou acha um ab-sur-do! a Alessandra Negrini de índia no Cacique de Ramos, para qualquer coisa, para quem precisa — o Tony revisa!

Zeh Gustavo: Crise: o que faremos depois da escrotidão?

Coluna de ombudsman extraída da edição de fevereiro de 2024 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


A culpa não foi, tanto, minha: as cartas de janeiro é que deram a deixa. Valeu, Catarina Lara Resende (será ela parente do Otto, amigo do Nelsão, a quem este atribui a frase “O mineiro só é solidário no câncer”?) e suas Doses de escrotidão! Teve ainda o relato do apogeu e queda do Clube de Literatura Café no Cocô, por Cândido Magnus, um nome acima de qualquer suspeita. Houve as saliências de Natan Schäfer, citando José Paulo Paes: é sempre por essas que escrotos como nós geramos algo como “[…] a carne possuiu a carne” ou “nossa cabana tem furos no telhado”, em que se acusa a Lua de ser uma tremenda voyeuse. Então pediram, ah se pediram!

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O Conselho Editorial deixou passar mais esta: a terapia não está, nunca estará em dia — falta-me, além de fé na viabilidade de uma adimplência psicológica (!), o quinhentão mensal para minha autoelevação espiritual diante do mundo da classe média analisada. Mas, ao contrário da Matilde Campilho (aquieta, coração!), eu choro fácil. Isso equilibra um pouco as coisas?

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Já me apresentei, seção passada, mas faltou dizer que eu sou um cara meio escroto (e precisava?), daqueles apaixonados pelos boleros lúdicos e torpes de Aldir Blanc, pela cafajestice lírica dos filmes do Hugo Carvana, pela rouquidão gostosa da Zezé Motta e pelos palavrões da Dercy Gonçalves. Arte-xarope eu tento sequer nem comentar, quanto mais doar-lhe um roçar qualquer de meus sete sentidos.

À questão: não bastasse o sequestro de ao menos certos simulacros de escrotidão pela direita mais imbecil — a fascistada que devia estar em cana! —, noto haver ainda uma outra crise, fruto de um surto de (pseudo)moralidade nos discursos, sobretudo os virtuais. E onde falta escrotidão também há de faltar amor & arte: não há literatura sem flores de escatologia e cretinice, ou seja, escrotidão tirada a método e a quente; tampouco amor sem uma sacanagem de leve, essencial à construção de afetos, digamos, mais carnosos. A assepsia da vida, tudo controladinho como num aeroporto, é o maior dos precipícios.

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— Fiu! Já sei! Fazendo caras de intelectual fingindo que tem vida interior intensa, né, ô babaca?!

—Poupa meu saco, Passarinho, poupa meu saco! (…)

—Já sei! Fazendo caras de intelectual da geração perdida, fingindo que é agressivo e vingador, né, ô Hemingway de merda?

Carvana e Antonio Pedro riem de soslaio em certo momento dessa passagem antológica de Bar Esperança: o último que fecha, com Denise Bandeira nuíssima, Marília Pêra impecável de descolada, Pereio de Pereio e uma penca de gente-personagem em rota fácil de ser cancelada no mundo pós-escrotidão. Como a boa sem-vergonhice, acha-se grátis o clássico no YouTube.

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Bolívar vai à academia. Olho assustado, adio o quanto der a missão, mormente após trocarem o velho malhar por treinar, o que nos remete à antiga Melô do Romário: “Treinar pra quê, se eu já sei o que fazer?!”

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Erlândia taca o porrete em almas amesquinhadas pela busca do encontro flácido: somos, cada qual, um microacidente “[…] que é milagre / e desastre / na mesma medida”.

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Escrutinadores da Akadimia pululam na redessoci e amam um Jorge Aragão feito com caipirinha de 51, com um toque de análises sociológicas do novo BBB. Às vezes, misturam Belo a discurso massa-empoderadx e Bacardi Maçã. Denúncia: é no dia seguinte disso que boa parte dos artigos e papers são produzidos.

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Lembremos do que nos dizem os verdadeiros pulhas: crise é oportunidade!

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Baby, pode soar a cantada barata, mas é importante para o futuro da nossa relação: você já ouviu falar de caralhinhos voadores?

Zeh Gustavo: Cuidado: há um sambista na porta lateral!

Coluna de ombudsman extraída da edição de janeiro de 2024 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Jards, o Macalé, já cantarolou: há um morcego, há um abismo na porta principal. Pega o fio: aos 15 anos nasci, sob o céu alaranjado da Gothan City literária, já desguiando para a música, para a roda de samba. E assim a margeei — por exemplo, publicando livros sem torná-los de fato públicos, essas especialidades do ramo! —, com a dignidade de um penetra convicto ao se dirigir sorrateiro à cozinha da festa de bacana atrás de um gole de conhaque. Ora me apresento, entortando Macala: há um sambista na porta lateral da literatura! E dela para a p. 5 deste RelevO — mandato curto, passa já!

Mó responsa: quem há de superar a verve bem urdida e humorada que faz da prosa da Amanda Vital, ombudswoman que sucedo, poema-crônica deste tempo tão certinho das ideias como o Simão Bacamarte do Machadão? Prometo tentar não ser mala, atributo honorável para todo escriba, mas vamolá: quantos textos literários citam um samba, um sambista sequer? De orelhada, recordo o João Antônio com seu Guardador dedicado a Cartola, livremente inspirado no episódio em que Stanislaw Ponte Preta encontra o vate de Mangueira a lavar carros na lindona Ipanema das bo$$as.

*

Ao inaugurar este ombudsdito, na música me apoio para me acercar de palavras que dizem das de outrem, ante o diverso corpus textual de cada edição. E assim vumos diretos pra delegacia (bença, João da Baiana!) tratar da de dezembro e da parte que me cabe, neste literafúndio (ui!): a ilustra de Gilberto Marques nos fita, olhos cerrados, a se perfilar entre a arte cega que seria a expressão máxima do desenho posta a dialogar com a rasura da memória, como sustentou Derrida. Bolívar Escobar dá rasante sobre a história do pensamento pegando de mote… uns memes clássicos! E eu achei bonito, viu? Também jogo no time da não metafísica.

O relato de Gumbrecht, em tradução de Bellin, sobre seu almoço com Foucault evoca a (des)graça dos encontros que morrem no quase da expectativa com que se forjaram. O que se teria sucedido de nossas vidinhas se eles vingassem, os danados? Não sei você, leitor(a) — eu fujo das desinências neutras, sobram-lhes bons intentos, falta-lhes musicalidade e a mim, ainda, a crença de que tornam melhor o mundo do deus Algoritmo e do sushi como área de interesse no Tinder —, mas vi tristeza, ainda, nas sugestões niilisterárias de Lucio Carvalho (juro caçava um delirium tremens se lesse um livro ilustrado por selfies!); e no Waltel milionário do ritmo de Felippe Aníbal. Ou seria amargura, termo em desuso? Aliás, amor e paixão, sei lá também, viu, Giovana Erthal, vale entrar na fila? Lacrar, na rede, cagando regra de relacionamento tem dado mais like, mormente se o relacionamento for do eu para com ele mesmo, o que a literatura médica anterior à pós-contemporaneidade sempre considerou como esquizofrenia. Vale também ouvir e cantar pagonejos em seitas comandadas por DJs. Ah, misturo tudo mesmo e, como reza o anúncio-manifesto da cZara: Foda-se o frete, camarada! Aqui é pirataria, embora eu ainda compre e (pouco) abandone livro pela meiuca, Enclave! O espaço vai curto: teve ainda poema (bem) ornado por Maria Joanna; Mylena Queiroz em tom ensaístico a discorrer dos recadeiros da terra Nego Bispo e Conselheiro; e Mistral fechando no duro do poético uma edição que flertou bastante com a aridez.

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Música — sentido-algo a que o velho Schopa se apegou a fim de nomear o mistério maior das coisas. Meu amor é bifurcado como o título do último Jards: poesia & música — se bem amalgamadinhas, hum… Sigamos a errar o (com)passo, próxima edição, Carnaval a vir?