Rafael Maieiro: Spirogyra é spreadable e/ou ao contrário — E uns xis minúsculos no coração do jornal

Coluna de ombudsman extraída da edição de abril de 2024 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Gravando! Não, corta. Pause. Não. Rola pra cima, digo, siga, à esquerda, com sua íris as linhas deste texto. RelevO anunciou sua rendição (?) à nova mídia social digital.

Toma-lhe, sem gelo, por favor!

“O RelevO é analógico, e o analógico está com tudo. Sobrevivemos à era dos blogs e agora, ironicamente, somos impulsionados pelo TikTok ou o que quer que nossos sobrinhos usam, porque tentar acompanhar é por si só a grande derrota. A questão é… por que parar no papel?”, está dito nos Anúncios do futuro para soluções do passado.

O bem-humorado texto quer dizer: Estamos com tudo nas redes. O impresso fica, mas vamos pra nuvem. Um dos papos mais interessantes sobre o assunto é com o tal do Henry Jenkins:

A propagabilidade [spreadable foi traduzido por propagável, por isso propagabilidade] está expandindo de forma ativa a diversidade cultural em função de uma gama maior de criadores de mídia ter acesso a públicos em potencial e de um número maior de pessoas ter acesso a trabalhos que, do contrário, poderiam estar disponíveis apenas nas principais áreas urbanas [Henry Jenkins com Joshua Green e Sam Ford. Cultura da conexão. São Paulo: Aleph, 2014. p. 289].

Mas não sei, não. Em 2025, me lembra algo que espera outro algo que já se passou há 20, 30 anos atrás. Ah, Sonhos de McLuhan no Verão do Fim da História! Na verdade, este ouvidor que fala demais está cada vez mais convencido de que o dito espaço virtual é um feudo dos naxis. Nesse (pouco) sentido, acho que o formato do jornal também deve involuir e ser publicado em rolo (volumen). Leitor, desenrola! Talvez faça sucesso editorial. Cada treco estranho por aí… Veja o tal do… Ah, deixa pra lá.

xis 9

Falo nada, escrevo do Rio de Janeiro.

xis 1

RelevO dribla e deixa no chão todos que encaram as letrinhas de alguns textos do jornal. Uma injustiça. Principalmente, na edição de março, com o trabalho de Amanda Fievet Marques.

xis menos R$ 594

Com 95% da meta atingida e ainda no prejuízo. Uma maravilha. Por isso, amo escrever neste jornal. Aprenda, progressismo Itaú. Imaginem se o editor fosse herdeirão…

xis desenhado

Amanda Guilherme deu um show em preto e branco. Alô, scouting do Botafogo!

xis no Godot? [cartas]

xis sem salada

Com Fernanda Caleffi Barbetta aprendemos: os cardápios são um gênero literário.

A informação instantânea, fornecida pelos meios de massa, deve ser completada pela informação calcada na análise, mais lenta mas presumidamente mais profunda. De qualquer maneira, todos esses meios, na sociedade capitalista, comercializam essa mercadoria especial que é a informação. São meios que vendem informação: quem controla a informação, controla o poder. [General Nelson Werneck Sodré. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 1999, p. XV].

Destinos, o Grande Jogo, aqueles que não cabem em editais

Editorial extraído da edição de abril de 2025 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos editoriais, clique aqui.


Desde sua fundação, em agosto de 2010, o RelevO nunca se propôs a ser apenas um jornal de literatura ou, pior, um jornal de pares, com uma galeria de ilustrados recorrentes e um pequeno lote para os candidatos a ilustrados. Nosso propósito sempre foi mais ambicioso, ou melhor, em uma direção menos óbvia: sustentar, com independência e vigor, um espaço em que a linguagem possa confrontar, subverter, emocionar e provocar — sem dar sustentação a CPFs conhecidos, currículos repletos de conquistas ou medalhões dispostos a colocar mais um X na imensa lista de lugares em que foram publicados.

O RelevO é um jornal de textos que gosta de outsiders, famigerados, inclassificáveis, amaldiçoados pela sina da prateleira de baixo. Gostamos dos indóceis, dos que não pedem licença para escrever. Gostamos dos que não cabem em editais nem em feiras temáticas. Dos obsessivos, dos desajustados, dos desafinados. Publicamos o que não se encaixa — e é justamente esse desalinho que nos dá forma. Por fim, ainda tentamos praticar algum humor pelo caminho. Na contramão dos tempos vigentes, nos dedicamos à permanência — ao gesto e ao gosto de editar, imprimir, dobrar e enviar literatura pelo correio, mês após mês, como quem aposta na repetição da palavra impressa e na presença do outro.

Nosso jornal é feito de margens: estéticas, geográficas, afetivas. Somos de Curitiba, mas quem nos conhece mais de perto sabe que não frequentamos nenhuma mesa das bandas que mais tocam na região. Gente que nunca havia publicado em impresso recebe um pagamento (módico, de R$ 60) e, a bem da verdade, pouco nos interessa de onde seja quem escreveu. Também não nos interessa tanto de onde somos. Somos, afinal, um jornal de textos para leitores e que orgulhosamente não segue tendências — publicamos apenas aquilo que, de alguma forma, nos comoveu.

[Aliás, passamos os últimos três meses (e contando) lendo novos materiais e dando devolutivas aos escritores. De modo geral, é um processo tranquilo, lento e individualizado, embora um & outro acabe nos homenageando assim, de um jeito mais universal:

“Percebo que seu comitê de leitura é assustadoramente limitado. Acho que vocês não entenderam nem meia palavra do significado da minha poesia de renome mundial. Mas cada um tem o direito de decidir como quiser. […] Muito obrigado, vocês são um bando de transexuais brasileiros idiotas que não entendem nada de arte. Dancem no Carnaval do Rio fantasiado de bufões e parem de se preocupar com arte. Seus idiotas!”.

Apesar desse tipo de retorno, digamos, mais emotivo, trata-se de um processo muito produtivo e que nos coloca diante do novo-novíssimo e do velho-velhíssimo. A partir dele, tentamos entender o que, hoje, leva um escritor ou uma escritora a sair dos escombros de uma página em branco e se mostrar ao mundo, a começar pela aldeia dos impressos.]

E quem lê tudo isso que publicamos há quase 200 edições? Quem nos ajuda a sustentar esse espaço rarefeito, improvável e um tanto fadado às melhores caixinhas de pets? É o leitor, a leitora; o curioso; o inquieto; o generoso; quem nos descobriu em uma panificadora de domingo; quem buscou uma edição em uma biblioteca pública. É o leitor que folheia o jornal no café da manhã ou no ponto de ônibus, que guarda um exemplar debaixo do braço, que marca uma frase com lápis e envia um e-mail depois dizendo “essa aqui me acertou em cheio” ou nos marca nas redes. O RelevO é um jornal feito com e para leitores que não querem apenas confirmar o que já sabem, mas topar o risco de serem desorientados por um bom texto. Leitores que sustentam, com suas assinaturas e sua atenção, a possibilidade de um jornal que não lambe vitrines nem serve de escada para o ego de ninguém.

Não temos um “comitê de curadoria” sentado em poltronas suecas, com jalecos conceituais e cenho franzido. Temos um grupo de pessoas cansadas, sim, mas inteiras, lendo tudo com o máximo de atenção possível. E o que torna tudo isso possível, mesmo com orçamento apertado e olheiras persistentes, é saber que há gente do outro lado. Gente que valoriza o texto bem colocado, o humor desgraçado, a imagem improvável. Gente que quer mais do que o óbvio.

E por isso, mais do que nunca, reforçamos: assim como a Receita Federal e a Wikipédia, o RelevO precisa de você. Assine, recomende, presenteie, envie àquele amigo estranho que coleciona selos e sublinha contos tristes. A cada assinatura, renovação ou exemplar enviado de presente, testemunhamos um pacto silencioso, porém profundo. Trata-se de um compromisso que vai além do apoio financeiro: é a afirmação de que ainda existe valor na leitura cuidadosa, na surpresa de uma página inesperada, no pensamento que se forma devagar, ao ritmo do papel. Os assinantes são os verdadeiros patronos dessa iniciativa.

Afinal, temos estrelas direcionando nosso destino ou somos meras peças do Grande Jogo? Talvez um pouco dos dois. Talvez sejamos somente um jornal literário de Curitiba, com orçamento apertado, diagramado madrugada adentro e enviado pelo correio com a esperança de que alguém, em algum lugar, vá folhear e nos dar um pouco de tempo. Mas também gostamos de pensar que temos textos nos guiando — um tipo de constelação que se forma quando um conto, uma crônica ou um ensaio encontra seu leitor, quando um envelope cruzando o país vira um sinal improvável de que a linguagem ainda conecta algo.

E se o destino tem mesmo estrelas, quem segura a luneta somos todos nós: leitores, apoiadores, autores, editores, críticos e entusiastas. Cada assinatura é uma pequena revolução contra a pasteurização cultural. Cada apoio é um lembrete de que ainda há espaço para o singular, o excêntrico, o fora de catálogo. O RelevO não existe sem você. É um projeto coletivo, imperfeito e orgulhosamente artesanal — mas é também um delírio compartilhado que resiste ao tempo, aos cortes e às certezas.

Por isso, deixamos aqui o convite: apoie o RelevO. Se você já é parte disso, renove. Se ainda não é, venha. Junte-se a nós nesse jornal que ousa ser ao mesmo tempo palco e bastidor, confessionário e picadeiro, bússola e tiro no escuro. Porque, no fim das contas, talvez sejamos todos peças do Grande Jogo — mas, juntos, podemos mover a pequena mesa da nossa sala.

Boa leitura a todos.

Rafael Maieiro: Epístola Pueril Sem Número 34 – Zeh Gustavo: “Quando os outros voltaram a si, o narrador tinha descido as escadas” (M. A.)

Coluna de ombudsman extraída da edição de março de 2024 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


“(…) Não vai adiantar nada eles encostarem suas cabeças no chão e pedirem Volte para cá, querida! Vou simplesmente olhar para cima e dizer Então quem sou eu? Primeiro me digam; aí, se eu gostar de ser essa pessoa, eu subo; senão, fico aqui embaixo até ser alguma outra pessoa… Mas, ai, ai” exclamou Alice numa súbita explosão de lágrimas, “queria muito que encostassem a cabeça no chão! Estou tão cansada de ficar sozinha aqui!’” (C., L. Alice. Zahar: 2009)

*

Porra, Zeh!

Está difícil. Qual o maior problema de um ouvidor: não ouvir ou não ser ouvido? Me encontro agora, em frente ao espelho, tateando estas linhas paralelas no celular. Não vou me estender por 34 minutos tentando criar, num velho passe de mágica, re-ReveladO por um youtuber-coach há 34 minutos atrás. Não, Zeh. Não vou, não quero. (Cantarole, deístico leitor).

Voltemos! Podia usar o nobiliárquico título de ombudsman para envenenar, mesmo com uma roupagem modernete, os leitores com uma cansativa leitura critiquíssima do RelevO. Mas aí, né… Que contratassem outro! Já faço o favor de escrever em linhas paralelas e outros formalismos: eu não uso blusa da Farm.

Não, Zeh. Não, não quero. Um jornal literário? Então, vamos lá, tentei fazer da tal da Ouvidoria um espaço da ficção. Narrar, não os fatos em si, mas a vida como ela é na sua lida — ficcionar, leitorzim, é muitas vezes mais realista do que a tentativa malfeita de descrever, detalhadamente, bobagens.

Tá, Zeh, vou. Tô te ouvindo aqui na minha cabeça. Mas por onde, pobre diabo? Merda! O espetáculo acontece a cortina, plateia apática. Fora do teatro alguém diz que não assiste a espetáculos sem banda. No fundão do teatro, quase anônima, uma moça bate uma palma como uma Deusa da Ironia e adia por alguns segundos o Apocalipse. Mas e a vaia? Cadê a vaia, o xingamento, alguma reação do Universo que não seja um xis na plataforma nazista?

Deixamos eles, Zeh?

Aguardo a sua resposta.

Beijo,

O Outro

Ainda: por enquanto, pulem esta coluna. O RelevO, este maço (martelo) de papel, pássaro voando pela rua sombria dos tempos de merda, faz algum sentido. Quem sabe ele não empastela os seus olhos para além das paralelas.

*

Mês que vem voltamos? Aguardem! Provavelmente, não teremos novidades.

*

Aguardando a resposta do Zeh:

A imagem, o som e a letra impressa

Editorial extraído da edição de março de 2025 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos editoriais, clique aqui.


Quando o RelevO surgiu, em setembro de 2010, éramos pura celulose e tinta, um amontoado de páginas que se recusava a obedecer a qualquer lógica que não fosse a nossa. A cada edição — com diagramação gradativamente melhor —, fomos desenvolvendo algumas linhas de certo humor caótico, ideias que se jogavam do penhasco sem saber se havia chão. Agora, estamos prestes a expandir nosso bestiário para o audiovisual. É um novo horizonte para esse modesto balcão organizado. Mas não se preocupe: ainda gostamos do cheiro do papel e da sensação reconfortante de que, mesmo se a internet cair, o impresso continua ali, firme, na gaveta, debaixo da mesa ou servindo de apoio para aquele pé de cadeira bambo. Mais: o impresso paga contas.

Nosso jornal sempre foi um convite à leitura torta, ao texto que parece errado. Agora, queremos experimentar o peso da imagem, o ritmo do som, as possibilidades do movimento — sem perder nossa veia seletiva, satírica e, acima de tudo, inquieta. Isso significa que [quem sabe] teremos vídeos desafiando a lógica do algoritmo e um conteúdo visual que, se bobear, poderá muito bem ser desenhado à mão. Vamos estudar as possibilidades, sem esquecer que nosso porto-seguro é de papel, dobra no meio e resiste ao tempo melhor que qualquer feed.

A expansão para o audiovisual nem tem como implicar um adeus ao impresso — longe disso! É só mais uma forma de provar que a palavra não precisa ficar restrita a um formato. Vamos testar novas formas de contar histórias e provocar. Quais? Ainda não sabemos; estamos apenas confabulando. Precisamos apenas continuar nos divertindo e desempenhando algo dentro do nosso limite técnico. Nosso singelo círculo de competência. Temos o mais difícil: anos e anos de conteúdo original, não necessariamente de qualidade.

Mas calma, para quem já estava preparando o textão, quem sabe alardeando que “o RelevO se vendeu para as telas”, fique tranquilo. Nosso maior sonho ainda é perder a alma para a Red Bull e virar um cone de arrancadão. Nossa tradição gráfica segue viva e forte. Continuaremos a estampar páginas com textos que desafiam padrões, referências que só três pessoas entendem e piadas que, às vezes, só fazem sentido três edições depois. A diferença é que esses mesmos devaneios febris poderão ganhar voz, trilha sonora e até dublagem dramática.

Portanto, revisem seus conceitos de Jornalismo sério e esperem por algo que nem nós sabemos exatamente como vai ser — essa sempre foi a nossa maior especialidade. O RelevO está ampliando sua bagunça organizada. A diferença é que, agora, talvez ela tenha vinhetas.

Rafael Maieiro: Sem ou com orelhão: Pule para o último parágrafo e descubra para que serve esta seção do RelevO

Coluna de ombudsman extraída da edição de fevereiro de 2024 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Cansamo-nos de tudo, excepto de compreender.
O sentido da frase por vezes é difícil de atingir.

Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa

Uma orelha gigantesca. Você é um coelho cego andando com pressa no meio da Rua Riachuelo, na Lapa — se apoia (ou rodopia) na bengala e usa as orelhas em riste como um braço de chapeleira para manter a cartola no seu devido lugar —, desvia confuso de carros, motos e bicicletas ainda mais atordoadas. Buzinaço, caos, calor. E plaw! Olha lá você adentrando na dita-cuja, malandragem! Na orelha? Na cartola? Tanto faz. Bifurcação: orelha ou cartola? Sai do outro lado, dentro da sua própria…

p de…? São nove letras, amado e idolatrado leitor. Adivinha? Deixa de chatice!

…orelha e está sem ela. Não, calma, ela (elas?) está (estão!) aí. Então, esquece o Dedé, deixa de ser lelé, vem comigo, Zeh, e se liga no papo da presente ouvidoria. Faz algum sentido.

*

— Sabe de uma coisa, meu irmãozinho, não leio um jornal impresso faz uns dez ou vinte anos — disse Diego Barboza, poeta e editor, convidado para comentar o RelevO de janeiro. — Na verdade, dou aqui meu testemunho, sou um leitor assíduo do Universal — conclui o raciocínio sem fazer nenhum tipo de ironia.
Foi logo dizendo antes de me cumprimentar ou qualquer coisa do tipo.

— Fale mais! — finjo não me surpreender e levanto a pelota.

Gosto muito de jornal impresso, continuava Diego, e tem sempre uns meninos da Igreja distribuindo o jornalzinho deles lá na entrada do metrô Maria da Graça. Aí vou, pum, meto o jornal embaixo do braço e sigo meu rumo pro trabalho. Ele puxa a cadeira, pede dois copos, uma cerveja e completa dizendo que é melhor mudar de assunto. O jornal é bonzinho, insistia, bem escrito. Eles lá com a fé deles sabem colocar palavra na frente de palavra, são jeitosos. Um dia desses vou pegar o RelevO e trocar com os meninos, aí veremos o cabrito que vai ser parido. O poeta, já sentado, acende um cigarro e abre o jornal. Fala do gosto de ler no papel e que nesses tempos parecem empedrar a aura de uma tábula. Só estamos no celular, né? Jornal, hoje em dia, precisa de porte? Aliás, é mais fácil você ver um fuzil do que um ser lendo uma jornaleta. Que doideira! E, olha, diz o nosso comentarista do mês, naturalmente, cagar lendo um jornal, na moral, não tem preço! De repente, ele pega um exemplar do Jornal que tinha deixado em cima da mesa, abre o jornal simulando um anjo terreno batendo as asas. Se levanta. Começa a discursar.

Estamos no Ximenes da Riachuelo, restaurante localizado na Lapa:

— Caros leitores, eventualmente presentes neste belo e bem frequentado restaurante, eis o jornal RelevO. Não, não é uma esquete. Estou aqui, de fato, apresentando um jornal de literatura, um impresso. Coisa boa, ficção fina, melhor que o seu maior concorrente no Brasil, o Universal. Conto, poesia, foto, artes plásticas, sem modorra de banqueiro playba, longe, bem longe da arte de cabelo bagunçado e à sombra do poder. Nessa edição, temos uma coletânea de poemas de Kay Sage. Primor! Bilíngue. Olha aqui: “cola de peixe / olhos em casas de vidro / atirando pedras.” Aqui também, na página 13, um desabafo do Sérgio Mallandro. Perdeu essa, Mad. E tem correio do amor um pouquinho pior que de festa junina. E nem me falem de aplicativo hoje, tá? Rodem este jornal por aí e vejam se eu estou mentindo!

Passou para a moça da mesa ao lado, que sorriu. Diego senta na mesa, Sou um ótimo jornaleiro, né?, ele não vai muito com o jeitão do Saramago. Mas, Maieiro, um jornal daquele, sem tirinha, é sacanagem. Tem que ter tirinha, irmãozinho!

Diego Barboza, segundo quase uma dezena de críticos do Rio, o que é uma multidão se tratando de poesia, é o poeta da geração.

*

Jussara Lessa está certa, as letrinhas do jornal dificultam muito a leitura. Principalmente, dos textos em prosa. Na opinião deste ouvidor, o único defeito da diagramação do RelevO.

*

Daniel Zanella, nobilíssimo editor, vou ser demitido?

Essa coluna serve como crítica aberta e sincera ao conteúdo e à forma do RelevO. O tal do ombudsman é um ouvidor, um representante dos leitores, o responsável pela crítica ao jornal dentro do jornal e sem interferência dos donos do jornal. O alvo sempre é a edição anterior. Assumi a tarefa de ser o ombudsman do jornal por um ano, comecei em janeiro. A escolha é fazer um mandato literário: de apresentar o jornal e narrar as impressões de novos leitores. Os escolhidos, em tese, serão escritores, editores ou qualquer coisa (viva, ou quase). Prometi o número de um orelhão – telefone público de rua, dá um Google aí, jovem guarda revolucionária –, mas ainda não consegui um em plenas condições de uso na Cidade Maravilhosa. Por enquanto, me xinguem, com o devido carinho, pelo e-mail contato@jornalrelevo.com. Sugiro ao editor do jornal que incentive a arte de Catarina: envie cola, tinta e canetas. Sem dúvida, Catarina vai compor uma bela colagem. Ah, por favor, mandem os jornais atrasados para o William Saab!

Rio, janeiro, dezenove do um

Sol, muito sol

Os rumos do impresso no país dos não leitores

Editorial extraído da edição de fevereiro de 2025 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos editoriais, clique aqui.


Em um cenário saturado pelo digital, onde o scroll infinito domina as interações e o tempo livre, mudando a percepção de foco e derretendo nossa concentração, a alternativa do impresso justifica sua existência de formas cada vez mais lógicas. Na competição diária pela atenção e na macarronada de algoritmos moldando nossos interesses, o impresso oferece uma pausa intencional e menos fragmentada, algo que a experiência digital – cada vez mais como uma roda de hamster a serviço de anúncios – dificilmente consegue (ou tem interesse de) replicar.

A recente pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, do Instituto Pró-Livro, trouxe à tona a grave realidade do desinteresse pela leitura no país. Mais da metade da população (53%) não leu sequer parte de um livro nos três meses anteriores à pesquisa, independentemente do suporte. Esse dado é comovente não só por demonstrar a desconexão com o hábito da leitura como um todo, mas também por revelar um sintoma mais profundo: uma sociedade em que não ler caminha para a norma, ao contrário do uso de tecnologias cada vez mais balbuciantes. (Convenhamos, não que antes da internet o Brasil fosse o Olimpo da intelectualidade…)

Outro dado merece atenção. A predominância do celular – 75% dos entrevistados afirmam passar mais tempo no dispositivo do que com um livro impresso –, quase uma platitude, traz uma ponderação acerca do impacto das telas em outros aspectos da vida. A hiperconectividade digital não afeta só os hábitos de leitura, uma vez que transforma o modo como nos relacionamos com o tempo e com o mundo físico. Atividades que dependem de presença, como caminhar, visitar amigos, ou até mesmo o estabelecimento de vínculos íntimos como… sexo, estão em declínio, substituídas por interações mediadas por telas.

Claro que estamos falando de uma generalização a partir de dados – e que temos, sim, zonas de respiro também nas gerações nascidas já com a internet em domínio. E não esqueçamos novamente da pesquisa: apenas 17% dos adultos acima de 40 anos têm o hábito da leitura. É uma geração pré-internet. O problema é muito mais antigo. Entendemos que o impresso, nesse cenário, pode se tornar, paradoxalmente, um ato de renovação, já que o formato não se limita somente à transmissão de informação; é um retorno à experiência tátil, visual e emocional. Livros, revistas e jornais oferecem um tipo de interação imersiva e não linear, permitindo ao leitor pausar, reler e contemplar, em oposição à efemeridade do conteúdo digital. Impresso não tem pop-up. Para além da nostalgia, o impresso encontra novas justificativas para sua existência: é um meio que incentiva o foco, a introspecção e o distanciamento saudável da saturação informacional.

Assim, o desafio não é resistir ao digital, tampouco introjetar leitura em dançarino do TikTok, mas construir uma cultura em que o consumo de conteúdo impresso seja mais presente. Chamamos isso de letramento analógico. Em um país onde a quantidade de não leitores supera a de leitores, fomentar o hábito de leitura é um passo vital para formar indivíduos menos… derretidos. Não que o RelevO, especificamente, vá salvar o Brasil de seu buraco quente (não o sanduíche), mas as redes dos bilionários malucos da ideologia californiana do Vale do Silício certamente não estão aqui para nos conduzir à evolução.

No dia a dia do Jornal, conversamos muito sobre o letramento para impresso. O que isso significa? É a nossa tentativa miúda de colocar mais leitores em contato com a nossa “plataforma”. Nosso plano logístico de distribuição, que dá acesso [grátis] ao periódico em mais de 400 pontos culturais do Brasil, tem como mote o contato com o impresso. O plano é todo financiado por nossos assinantes. Também pensamos no acesso do Jornal aos escritores. Janeiro, por exemplo, é o mês em que fazemos as devolutivas dos autores e autoras que mandaram materiais no último semestre. Acredite: muitos escritores nunca folhearam uma edição do RelevO (ok) ou sequer de outro impresso (aí complica). Mesmo entre aqueles que escrevem, as trocas de mensagens são estarrecedoras. “Olá, obrigada pelo retorno, mesmo que vocês não utilizem meu material. Quem sabe na próxima! O que é periódico? Gostaria de entender melhor” ou “Estava mais interessado na publicação do que na leitura do Jornal, não precisa mandar a edição de cortesia não”. “Mas como chega o jornal? Por email?”. Todos exemplos reais, ipsis litteris.

Em outra ponta, enquanto o Brasil vê regredir sua curva de leitura rumo ao grunhido, até mesmo gigantes do setor digital tomam ações na direção do impresso. A recente decisão da ByteDance, dona do TikTok, de expandir sua editora 8th Note Press para o mercado de livros físicos, é emblemática. A gigante chinesa aposta no crescimento da comunidade BookTok para lançar livros impressos voltados às gerações Millennial e Z. Paralelamente, revistas como Vox, Vice e Saveur retornam às bancas, ao passo que o mercado americano celebra o lançamento de mais de 70 novas publicações impressas apenas no último ano. Por aqui, temos o retorno ao impresso da folclórica Capricho.

Claro: em tempos de incertezas, a nostalgia desempenha um papel importante. Objetos físicos, como livros, vinis e câmeras analógicas, carregam uma carga emocional que os torna refúgios em meio ao barulho. Revistas impressas, muitas vezes transformadas em peças de decoração ou colecionáveis, ganham espaço pela experiência sensorial de folhear suas páginas e pelo valor estético de seus projetos editoriais minimalistas. Em muitos casos, isso não deixa de ser apenas um fenômeno de boutique.

De fato, o prazer do toque, da textura e do cheiro das páginas não pode ser replicado pelo digital. Não há interrupções irritantes, anúncios invasivos ou notificações que desviam a atenção. A leitura flui em um ritmo próprio, permitindo uma experiência limpa e imersiva. Além disso, o impresso resgata a noção de permanência. Enquanto plataformas digitais adicionam e removem conteúdos sem aviso, o que mantemos fisicamente em nossas mãos reflete nossa identidade e gera memória. Livros e revistas tornam-se extensões de quem somos, objetos que não só representam nossas preferências, mas também estreitam laços e promovem a troca de ideias. Impresso não pode ser editado a posteriori.

O milésimo renascimento do impresso não significa uma rejeição ao digital, mas sim uma convivência harmoniosa entre os dois formatos. Ambos têm seus méritos: o digital para a instantaneidade e o alcance global, e o físico para a profundidade e a conexão emocional. É nessa coexistência que leitores, criadores e editores encontram novas possibilidades: estamos falando de reimaginar o século 21 antes que ele se torne o ferro-velho completo dos bots.

Rafael Maieiro: PALAVRÕES & DEMONSTRATIVOS: sobre outros assuntos e uma ouvidoria que não ouve conselhos

Coluna de ombudsman extraída da edição de janeiro de 2024 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Saúde: Ladeira do João Homem, 65. Ali, nas encruzas da praça, é só descer a rua por alguns metros e estamos no Bar do Geraldinho. Cadeiras e caixas de cerveja coloridas na calçada (C5 – boom, manuais!). Ali está o Zeh Gustavo, o ex desta coluna, no seu habitat, brincando no copo de cachaça e abrindo um sorriso no rosto. Me aboleto na mesa, o encontro marcado é para falar sobre o RelevO de dezembro.

[Eis o método do mandato desta ouvidoria do jornal: conversar com leitores de alguns estados deste Brasil – em cafés, bares, livrarias ou, quem sabe, no ponto de ônibus. A ideia-chave do espaço, ora ocupado por mim, é narrar os encontros sem nenhum compromisso com os fatos, contudo assinando um pacto com a particularidade do real na poesia e/ou na ficção. Para abrir o caminho, escolhi o ex, o tal do Zeh, para a estreia].

Zeh vira a Salinas, pede a minha cerveja gelada. Quase gargalha sei lá o porquê. Eu digo:

– Viu as ilustrações da Natalia Azevedo? A publicação é em PB, né? Olhe, são muitos olhos – faço um movimento com os dedos insinuando o trocadilho ridículo –, mas ainda não estou maluco: vi a oitava cor do arco-íris.

Zeh me despreza, o que não é incomum, e já fala que me fudeu na última coluna dele, justificando-se como ato de amor. E puxa um Aldir Blanc:

– Na Rua da Tijolo, bloco 5, aquela de esquina…

[Zeh, meu camaradinha, além de personagem e ex, você também é o revisor desta coluna. Qualquer erro aqui é culpa sua, por sinal é um ótimo lema do RelevO, porém não vá me encher o texto de referências bibliográficas e seus TOCs ABNT. Como disse Carolina Bataier, “Todo o resto, sim”].

Fiquei ouvindo o ex acabar a cantoria, ainda afinada, um copo afina a voz, meti logo um porra e perguntei o que ele achou sobre a edição de dezembro.

– Os olhos, os barcos são quase uma bandeira. Sim, muita cor. Não somos dodóis da moleira, ainda, meu chapa. Natalia Azevedo…

Enquanto Zeh fazia seu solilóquio, ele ainda não estava bêbado, mas estava no modo falastrão, um gatinho fazia número pela rua, uma rua de pedras, uma rua de pedestre, no alto do Morro da Conceição. O gato me olhou – será que usar gatos em textos num impresso também chama atenção? –, fez um movimento que, à primeira vista, tomei por uma saudação carinhosa. Mas, quando o bicho repetiu a ação, percebi: ele estava me mandando à merda, me mostrando o famoso dedo. Olho para o ex, ele abre o jornal e me aponta uns versos de Bolívar Escobar. Leio. Faço um sinal de concordância misturando movimentos com os lábios e com a cabeça.

– Bom, né? Também gostei da nova seção, Discursos de ódio. Ali tem caldo, hein, o Antonio Paradisi deu uma boa de uma tapa. Finn plantou a semente do ódio de classe…

Bato palmas. Zeh volta a me ignorar, ele tá meio estranho hoje. Ergo o jornal tapando o meu campo de visão para além do jornal. O ex faz o mesmo. A cena tem algo de Magritte, ou, mais precisamente, uma versão impressa do ensimesmamento virtual. Janelas de papel e tinta; janelas de silício e petróleo. Quando partimos a fatia do tempo e baixamos as nossas armas, não estamos transtornados:

– Porra, Zeh, tô vendo aqui no Editorial. Eles estão saindo do preju. Acho que contrataram o ombudsman errado. Agora eles vão pro buraco! Literariamente falando, posso dizer, sou pior que uma pandemia.

Gargalhamos.

Aliás, leitores, ombudsman, em sueco, é ouvidor. Já que se trata de um impresso, tecnologia superada até para embrulhar peixes, a minha ouvidoria vai oferecer o número de um orelhão (telefone público, jovens, depois eu explico) para contato a partir do mês de fevereiro.

Aí, palavreiros rústicos ou eruditos, vocês poderão me xingar à vontade: isto, isso, aquilo.

(Outra) carta aos leitores em (outros) tempos difíceis

Editorial extraído da edição de janeiro de 2025 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos editoriais, clique aqui.


Chegamos ao início de um novo ano carregando as marcas de 2024, quando conseguimos a façanha de fechar nove meses no vermelho – um recorde não atingido desde 2019. Os últimos meses exigiram de todos nós uma série de novas habilidades para enfrentar percalços que insistem em testar nossa capacidade de seguir adiante, não sem repensar o modelo de negócio e o próprio negócio em si. Será o momento de parar? O nosso corpo de assinantes finalmente… cansou? Em meio às incertezas, é reconfortante observar que, mesmo quando nosso pequeno mundo parece vacilar, o jornal impresso segue como um abrigo seguro, uma alternativa, uma ponte entre o caos e o repouso. Lembremos que 2024 foi repleto de intensos debates sobre os limites e os transtornos provocados pelo excesso de tempo diante das telas. Brain rot, de “cérebro apodrecido” ou “atrofia cerebral”, foi eleita a palavra do ano pelo Dicionário Oxford.

Ao virarmos a página do calendário, refletimos sobre os desafios enfrentados e renovamos o desejo por um ano melhor. Todos os janeiros carregam em si essa promessa de recomeço, de página virada – para usarmos uma imagem gasta –, mas também nos lembram de que o ciclo de dificuldades faz parte da própria experiência humana. Talvez, soando um pouco como Osho (pronuncia-se Oxxo), ao reconhecermos a repetição desses padrões, podemos assumir tanto as dores como as possibilidades de transformação que elas trazem.

Para muitos de nós, escrever e ler não são apenas atos culturais, mas também atos de manutenção e de escape. É verdade que as crises têm cobrado seu preço também deste universo. Pequenas editoras lutam para lançar seus livros, livrarias de rua resistem ao fechamento e ao mercado predatório digital, e escritores enfrentam o dilema de criar em meio às pressões cotidianas, como pagar aluguel e tratamentos médicos. A vida custa – inclusive, está bem mais caro o cafezinho que acompanha a leitura habitual de jornal. Ao mesmo tempo, nesses momentos vemos nascer iniciativas coletivas, projetos colaborativos e movimentos que reafirmam a força da literatura como um bem comum. A produção literária se transforma, encontra novos meios, alcança novos leitores. Ou, então, assumimos de vez que a literatura é um privilégio e vamos todos assinar o streaming menos invasivo por R$ 59,90 ao mês.

Aos nossos leitores, queremos dizer: estamos aqui. O Jornal RelevO continua como um espaço para acolher vozes diversas, para impulsionar novos autores e praticar algum humor. Seja parte deste exercício de continuidade: leia, escreva, divulgue, compartilhe, assine.

Que 2025 seja um ano melhor.

Por uma boa leitura,

Equipe do Jornal RelevO

Zeh Gustavo: SOL DOS TRÓPICOS PRODUZINDO UM HOMEM PLÁSTICO: notas sobre a malversação do silêncio público e de como um alívio pode ser falso, dependendo do encosto

Coluna de ombudsman extraída da edição de dezembro de 2024 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Silêncio…
O sambista está dormindo
Ele foi, mas foi sorrindo…

Geraldo Filme, “Silêncio no Bixiga”

Confesso: é armação para te pegar, mais uma vez! Tudo urdido e aloprado para terminar como não começou: título longo (comum à minha poesia de 23 leitores), ecos de falsete acadêmico (comuns ao nosso pícaro jornal), plágio de versejo da edição anterior (comum às demais colunas, mas ausente da inaugural – a que belo dum fdp sem originalidade o Conselho Editorial não negou o mandato!). Não se preocupe: não vai ficar tudo bem, ou até pode, mas esta porta se fechará (entreaberta), automecanicamente (afinal, trata-se de um impresso!), ao toque de algo próximo dos 2 minutos. Tum, tum, tum…

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Dizem que a saideira nunca termina. Ainda que acabe. É o que espera todo cantador e verseiro. Anormalmente, em vão.

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Com o “Sol sempre sobre a cabeça” escorrem os versos solturnos do tropical Daniel Anchieta Guimarães Lobo Pinheiro (quase dou cabo da cota de caracteres!), a nos dar a deixa, como a Enclave ao defenestrar o atual regime de abuso de telas: nem tudo que reluz é ouro. Esse é o ditado mais certo – até o próximo.

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Grita a Enclave (eu odeio CAIXA-ALTA , alô Desclassificados de janeiro): DIMINUAM O MALDITO BARULHO. Detalhe: sem exclamação! Como as telas “secam os olhos”, o barulho nos poda o alcance da voz.

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Nada está tão ruim que não possa piorar, mas pense pelo lado positivo como a Maria Rosa dos Extremos (eu que sempre considerei o RelevO como um auto da desajuda, viadamente mor-ri!, ao ler o texto dela): melhor manter o inimigo por perto. Apresentamos nosso sucessor em ombudsmância: Rafael Maieiro é botafoguense (eles apareceram!), escritor e, nas horas nem vagas, repórter das revoluções em reforma, com o perdão do tantão de erres (e erros). Bardo do caos bem editado, poeta profundo (sei lá o que isso quer dizer!), não o convide para beber: você sempre vai gastar uma baba e seu próximo sol não restará garantido.

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Em tempo, na falta dele: não que não existam sóis gelados, mas cá atacamos pelo flanco do lugar-comum com que arvoram sua imagem de inexpugnável lugar do recomeço radiante. Brilhando num imenso cenário, o sol também pode te enganar – mais uma vez! Sobretudo se você viajar naquela vibe de “quem depressa quis a superfície / tanto quanto o oceano fundo”; e deitou nas ondas sem discernir qual delas agarrar pelo rabo para ir à terra; e viu se perder “o mar nas mãos à deriva”, como nos diz Fernanda Nali de Aquino.

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Como o RelevO e a simpática Bladnoch (Zanella e eu estamos empenhados em ganhar um presentinho de Natal da miúda e tradicional fábrica escocesa de whisky!), Maieiro é daqueles empenhados em formular “uma resposta às engrenagens de um sistema que nem sempre reconhece o valor do peculiar e do pessoal, transformando tudo em opacidade linear”, como bem decantou o último Editorial.

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No sufoco, apelar à cadeira velha da guerra pode dar aquele alívio imediato, mas a coluna há de pagar alto preço, depois. Juro, não é etarismo: é tecnologia. Quando é mau o encosto, pior o desgosto! – é nóis, mano, na lida de legar às próximas gerações os nossos próprios ditados.

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Autocitação para disfarçar a ausência da requerida erudição para ocupar o espaço? Diga lá na edição que vem como o sol a tumultuar quem virou a lua na noite, ombudsmano Maieiro! Que fazer?! Nesta hora fatal, e na teima inconstante daquele negar-se a ser mera poeira, relembro mesmo é verso (im)próprio, como mais um desdito de pessoinha tão amorosa quanto à-toa: “Eu não aceito me despedir”.

Dobras de 2024: ventos contrários, páginas viradas, publicando sob sol e chuva

Editorial extraído da edição de dezembro de 2024 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos editoriais, clique aqui.


2024 foi e ainda é um ano que merecia virar personagem do RelevO: cheio de nuances, tropeços e desvios, daqueles que a gente acompanha com uma mistura de desconfiança, preocupação e esperança, torcendo para um bom ponto de virada, como se o arco narrativo estivesse próximo do final feliz. No limite, como todo bom personagem de humor caricato, 2024 conseguiu arrancar um sorriso de leve e alguma faísca de otimismo. Nos vemos na canção ‘Aprendizagem’, de Yamandú Costa (não confundir com o personagem Yamancu Bosta, que já constou em nossas páginas): “Quando lembro cada página do meu passado / Nunca me arrependo / Do que foi lembrado / Do que foi riscado / E dado pra viver”. Todos temos o nosso tempo de aprender.

No aspecto financeiro, foi especialmente desafiador. A instabilidade nos obrigou a fazer malabarismos que dariam inveja a qualquer trapezista. Mas sobrevivemos, sobreviveremos. Aliás, sobreviver parece ter virado nossa especialidade desde 2010 – e assim pensamos até quem sabe termos o mínimo controle dessa trama, apesar de não vivermos uma semana sem alguém sugerir que sejamos um periódico online.

Aprendemos muito. Descobrimos que consistência e teimosia são ferramentas indispensáveis quando os recursos estão em falta. Com mais coragem que precisão, seguimos publicando. Fomos em diversas feiras literárias independentes pela primeira vez – e não passamos vergonha. Aliás, até fizemos bonito, se nos permitem a modéstia de quem levou uns “não” educados antes de ouvir alguns “sim” pelo caminho. O RelevO tem 14 mil seguidores no Instagram e uma coleção de mais de 27 mil negativas ao longo de sua história. Somos especialistas em obter recusa. Outro número interessante: depois da assinatura, mais de 3.500 indivíduos desistiram de seguir conosco ao longo de quase 15 anos.

Outro marco importante foi ampliarmos nossa distribuição. Agora, temos leitores em lugares onde nem sabíamos que chegaríamos, além de estarmos cada vez mais próximos de chegar ao patamar logístico que tínhamos antes do início da pandemia. E sim, ultrapassamos a marca de 1.000 assinantes. Sabemos que isso não nos torna nenhum gigante do mercado, mas, para nós, é um feito enorme. A cada assinatura renovada, a gente festeja como quem desenterra um tesouro escondido no quintal. (Ok, sem exageros – é algo mais prosaico, como encontrar dinheiro esquecido no bolso do casaco.)

Queremos que 2025 seja o ano do Jornal. Nosso plano é participar ainda mais de eventos independentes. Queremos que a nossa lojinha finalmente saia do papel e comece a funcionar – e queremos lançar o livro dos 15 anos do RelevO, com os nossos melhores textos publicados de 2015 pra cá. Afinal, temos o RelevO 5 Anos, que, inclusive, pretendemos relançar no pacote de novos erros editoriais.

Também estamos de olho em algo ousado: ter menos prejuízo. Quem sabe até um dia chegar no tão sonhado “se pagou”. O breakeven constante. 2024 foi um ano de nove meses no vermelho. Mais que isso, queremos continuar nos divertindo. Publicar bons textos, seguir como um espaço onde leitores e escritores se sintam em casa, mas não a ponto de querer trocar assinatura por texto publicado.

Que venha 2025, portanto! Continuaremos aqui, materializando o calendário, rabiscando futuros, inventando projetos e provando que um jornal independente pode, sim, seguir em frente – mesmo com alguns descompassos. Quem sabe, no próximo editorial, estaremos comemorando não só a sobrevivência, mas também o encontro leve entre a incerteza e a nossa narrativa.